Engajado em batalha midiática e jurídica, cobrando nas redes sociais os direitos autorais e patrimoniais da franquia Rocky do produtor Irwin Winkler, Sylvester Stallone assumiu o desafio de vencer outra luta. Quer reproduzir nas plataformas digitais a popularidade que alcançou nos cinemas, transformando o conceito de "filme de ação" em sinônimo de milhões — não mais de ingressos vendidos, mas de assinantes. Nesta sexta-feira (26), ele dá o primeiro passo ao lançar no Amazon Prime Video o thriller de super-heróis Samaritano.
A direção é de Julius Avery, que põe o eterno Rambo na pele de um gari dotado de superpoderes. E, em paralelo, o astro de 76 anos se prepara para o lançamento da primeira série como protagonista de toda a sua carreira, Tulsa King, prometida pela Paramount+ para novembro, no qual vive um mafioso.
— Estou acostumado com personagens de carne e osso que não se encaixam nos padrões da realidade que conhecemos, por mais humanos que sejam. Personagens que não podem fugir do altruísmo e disfarçar a solidariedade em sua essência. Mas não posso mais viver Rambo como fazia aos 29 anos, pois preciso honrar e respeitar a idade que tenho — disse Stallone ao Estadão em um webnário que concedeu via Zoom ao falar do heroísmo de Samaritano.
Herói clássico
Em 1995, ele encarnou o mais famoso vigilante das HQs inglesas, Juiz Dredd, sob a direção de Danny Cannon. Em 2017, voltou a flertar com os quadrinhos ao viver o mercenário estelar Stakar em Guardiões da Galáxia - Vol. 2, de James Gunn, com quem fez ainda Esquadrão Suicida (2021), emprestando a voz ao Tubarão-Rei Nanaue. Mas agora, com Julius Avery, Sly (como é conhecido nos EUA) leva à grade da Amazon uma figura mais próxima do conceito clássico de "herói": o lixeiro Joe, que esbanja sua superforça para salvar um garoto de uma gangue.
— Joe é um Hércules dos dias atuais, um sujeito com uma força física descomunal, que expõe o limite entre o que é encarnar o bem e o que é encarnar o mal. Analisando Rocky, você nota que o boxeador vivido por Mr. T no terceiro filme (Clubber Lang) tem a maldade impressa no olhar, nos trejeitos, como Ivan Drago, do quarto filme. Mas não é isso o que buscamos aqui e, sim, criar um universo novo do zero — reflete Stallone, que lança em março o quarto e último tomo da franquia Os Mercenários, despedindo-se do personagem Barney Ross. — A Marvel e a DC foram muito felizes ao compor sua dramaturgia. Mas, aqui, quando um velho é atingido por um carro e sai ileso, regenerando-se, você precisa convencer o público do que ele é.
Há uma conexão direta entre Samaritano e Shane, de George Stevens (traduzido no Brasil como Os Brutos Também Amam). Essa ligação se dá pela relação entre Joe (Stallone) e o guri Sam (Javon Wanna Walton) nos moldes do que o faroeste de 1953 fazia com Alan Ladd e o pequeno Brandon De Wilde.
Na trama filmada por Avery, Sam acredita que Joe é um cruzado mascarado chamado Samaritano, que desapareceu após uma luta contra seu arqui-inimigo Nêmese. A partir daí, ele fará de tudo para que o sujeito cansado de guerra que tanto admira volte a proteger o povo de sua cidade. Mas um traficante com ares de líder populista, Cyrus (Pilou Asbæk), vai se apoderar da marreta energética usada por Nêmese e empregá-la para se tornar um símbolo para a bandidagem.
— Não há assombração maior do que a derrota e Joe se encontra numa situação de fracasso em que ele, a cada dia, quer apagar uma memória. É assim até Sam aparecer e se tornar sua segunda chance, sua redenção — define Stallone. — Esse filme é uma espécie de Rocky com superpoderes. Existe fantasia, mas existe um homem se recriando, recuperando a si mesmo, num recomeço.
Zonas cinzentas
Nem tudo no roteiro de Samaritano é tão o bem versus o mal quanto parece. Mas a maneira como o filme aproxima Stallone das zonas cinzentas da condição humana parece ter sido essencial para o exercício de brutalidade que ele encara em Tulsa King. A série da Paramount+ é colocada como um novo A Família Soprano e segue a história do chefe da máfia de Nova York Dwight "The General" Manfredi, vivido por Sly.
Stallone foi homenageado em Cannes, em 2019, às vésperas do lançamento de Rambo: Até o Fim, onde citou sua maior influência na concepção de sua verve heroica.
— Eu era garoto quando vi Steve Reeves interpretar Hércules e ali eu percebi a importância de se cuidar do corpo e ter uma silhueta forte. E foi onde eu vi um modelo de herói singular.