Pedro Kos, que concorre ao Oscar deste ano na categoria de melhor documentário em curta-metragem por Onde Eu Moro (em cartaz na Netflix), é um carioca de 44 anos que foi para os Estados Unidos ainda adolescente. Por lá, estudou e desenvolveu uma carreira que teve como inspiração a avó gaúcha, dona Eunice.
— Tudo começa com a minha avó de Itaqui, de quem eu era muito, muito, muito próximo. Foi assim que eu me apaixonei por contar histórias, ouvindo as histórias dela — explica o cineasta, em entrevista a GZH concedida por vídeo diretamente de Los Angeles.
Assim, desde a sua infância, Kos decidiu que queria contar histórias, mas elas precisavam ser cativantes e envolventes, como as de sua avó. A maneira encontrada foi no cinema.
— Esse foi sempre o meu sonho. Aos poucos, fui trabalhando, e hoje estou aqui — diz.
Antes de ver o seu nome e o do codiretor de Onde Eu Moro, o estadunidense Jon Shenk, na lista dos indicados ao Oscar, Kos teve a típica trajetória de muitos filmes: a do jovem sonhador que começa de baixo e vai conquistando o seu espaço, até que chegue ao almejado final feliz.
Ainda na faculdade, ele começou a estagiar em produções independentes, com atribuições que iam de servir cafezinho a lavar vidros. Após se formar, conseguiu o seu primeiro trabalho em um filme de maior porte: foi assistente de pós-produção em Frida, longa estrelado por Salma Hayek e lançado em 2002.
Depois, começou a editar pequenos documentários e produções de making of, passando por curtas e trailers até chegar nos longas-metragens. Tudo mudou quando Kos foi indicado pelo diretor de fotografia Affonso Beato à cineasta Lucy Walker, que procurava um editor que falasse português em Los Angeles. Eis que foi contratado para montar o documentário Lixo Extraordinário (2010, disponível na Netflix), concorrente ao Oscar.
— O Lixo... foi o grande divisor de águas na minha carreira, abriu um montão de portas, foi um filme que teve um enorme sucesso como um documentário pelo mundo afora e conquistou um monte de corações. Foi muito especial — relembra.
A partir daí, apareceram outras produções para que Kos montasse, atividade que segue fazendo — inclusive com Onde Eu Moro. Como editor, o brasileiro dividiu com dois colegas o Emmy da categoria por A Praça Tahrir (2013, disponível na Netflix), que, pelo olhar dos jovens, acompanha a turbulência política no Egito a partir da revolução de 2011. O título ganhou o prêmio do público no Festival de Sundance e disputou o Oscar. Seus créditos incluem Privacidade Hackeada (2019, Netflix), do qual ele foi um dos três roteiristas e que ficou entre os 15 semifinalistas do Oscar.
O primeiro título como diretor foi com o documentário em curta Soleá (2014), ao lado de Emmanuel Vaughan-Lee. Em 2017, dirigiu o seu primeiro longa documental, Parceiros da Saúde, junto de Kief Davidson. Já 2021 foi o ano em que emplacou o comando de duas produções: além da indicada ao Oscar, também foi responsável por dirigir, desta vez sozinho, o longa Rebel Hearts, sobre um grupo de freiras de Los Angeles que desafiou o patriarcado da Igreja Católica há 50 anos.
Em busca de conexões
As filmagens de Onde Eu Moro começaram em 2017 e se estenderam até 2020. No meio do processo, a Netflix comprou o projeto e colocou o carimbo de original da plataforma na produção, que tem 40 minutos de duração. Para realizar o filme, o cineasta teve o apoio de organizações não governamentais que dão assistência às pessoas em situação de rua e que fizeram o meio de campo na apresentação das pessoas.
— Nós fomos, ao longo da costa oeste americana, desde Seattle, São Francisco a Los Angeles, com o propósito de compartilhar com o mundo as histórias das pessoas. A gente queria aprofundar esse tema e lembrar que são gente como a gente que, por várias razões, perderam os vários tipos de apoio e acabaram na rua — diz Kos.
O diretor ressalta que ouviu várias histórias comoventes. A escolha de quem entraria no documentário aconteceu seguindo uma busca por conexão básica entre os personagens e, ao mesmo tempo, dando ideia da diversidade de experiências.
— Aqui nos Estados Unidos tem um estigma de que os moradores de rua ou tem problema mental ou problema de vício. E isso, na maioria das vezes, acontece depois. Não são esses problemas que levam para a rua. As causas são tão diversas quanto as estrelas no céu. É de tudo: violência doméstica, problemas médicos, desemprego, custo de vida, e a lista segue. E era isso o que a gente queria mostrar — explica o diretor.
Para Kos, o que é visto em seu documentário serve para os Estados Unidos, para o Brasil e para o mundo. É uma história universal:
— A gente constrói muros, barreiras invisíveis, a gente se separa um do outro e cria aquela imagem de que nunca estaria naquela situação. Então, o que a gente queria fazer era conectar, quebrar essas barreiras, convidar as pessoas para olhar para os outros de uma maneira diferente, mais humana, com mais compaixão. Sei que no Brasil estamos precisando exatamente deste convite. Essa é uma grande esperança que eu tenho com o filme.
O prêmio
Buscando criar uma experiência imersiva emocional com o seu documentário, Kos destacou que, inclusive, deixou de colocar textos apresentando os personagens que aparecem em seu longa justamente para não quebrar o "mergulho" do espectador no filme. Com 40 minutos, é um curta mais longo do que o normal:
— A duração do filme se criou sozinha. Não sabíamos se seria um longa ou um curta. A gente se arriscou, fez uma coisa diferente, foi contra todas as normas de documentários, mas de uma maneira muito intencional. O tamanho desse filme habilitou a gente a tomar esses riscos.
E, para tentar abocanhar o prêmio da Academia, a Netflix está encabeçando uma série de mostras virtuais e presenciais, apostando que a maior parte dos votantes do prêmio possa assistir ao filme. Além disso, tanto Kos quanto Jon Shenk estão concedendo entrevistas para a imprensa, justamente para falar sobre o projeto e a importância dele. Não tem toda a pompa dos filmes de ficção milionários que também concorrem ao careca dourado, mas isso não tira o brilho do momento para o carioca.
— Eu ainda estou me beliscando diariamente para ver se eu estou sonhando ou não. Mas o mais importante ao longo da campanha, para mim, não é ganhar. A indicação já é uma vitória. É falar sobre a temática dos moradores de rua de uma maneira mais humana. E tentar injetar a conversa e o debate com um pouco mais de humanidade — enfatiza Kos.
O diretor, que carrega para sempre a palavra Oscar ao lado de seu nome, seja como indicado ou vencedor, já projeta os seus próximos passos. E o Brasil está no caminho.
— O meu sonho é poder contar umas histórias aí, de casa, porque, para mim, o Brasil sempre será a minha casa. Sempre será onde eu moro, meu coração mora no Brasil. E estou tentando desenvolver projetos aí, com colegas cineastas brasileiros. Não recebi nenhum convite, mas estou tentando ser mais proativo, estou tentando desenvolver projetos eu mesmo para fazer aí, porque para mim seria muito importante — adianta o cineasta, com um largo sorriso em seu rosto.
A cerimônia de entrega do Oscar acontece no dia 27 de março.