Vencedor de quatro Kikitos no Festival de Cinema de Gramado de 2020, incluindo o de melhor filme, King Kong en Asunción entra em cartaz em Porto Alegre nesta quinta-feira (2). O filme será exibido no Espaço Itaú de Cinema, às 18h, e na Cinemateca Paulo Amorim, às 18h30min.
Rodado entre a Bolívia e o Paraguai, além de ter uma sequência gravada no interior de Pernambuco, King Kong en Asunción é um road movie dirigido pelo pernambucano Camilo Cavalcante. É o segundo longa de ficção do diretor, que antes havia realizado A História da Eternidade (2014), além de curtas e documentários.
O longa acompanha um assassino de aluguel conhecido como Velho (Andrade Júnior). Após realizar mais um "trabalho" na região desértica do Salar de Uyuni, ele parte para o Paraguai com o objetivo de encontrar a sua única filha, que nunca conheceu. Também espera rever a mãe dela, a única mulher que amou. Cansado e com remorso da vida que leva, quer se aposentar. Quer buscar o afeto que sempre lhe faltou. Ele tem movimentos lentos, costuma caminhar pesadamente, como se carregasse um fardo. A viagem também tem como destino o seu interior, com tom de despedida e desemparo.
Quem acompanha o Velho é uma entidade onipresente, que pode ser interpretada como a própria morte. É uma voz onisciente, em guarani, que se manifesta no filme pela narração em off realizada pela atriz Ana Ivanova (As Herdeiras). Essa narração reflete sobre a história e os sentimentos do protagonista, ampliando a interpretação e adicionando uma camada literária ao filme. Não é à toa que o texto narrado pela voz foi escrito por Natalia Borges Polesso e traduzido para a língua indígena por Lilian Sosa. Camilo diz que sentiu a necessidade de o filme ser narrado em guarani para dar voz a um povo que vem sendo exterminado desde a colonização.
Autora de livros como Controle (2015) e A Extinção das Abelhas (2021), Natalia trabalhou no texto após o filme ser rodado. Para ela, a voz da narradora se contrapõe ao Velho, que é bruto e calado.
— Parece que a ternura é impossível nele. Essa narradora é dura, mas é terna. Tentei focar nesse contraponto, nessas dicotomias — diz a escritora gaúcha. — Gostei muito de trabalhar com esse magnetismo. Ora os polos se atraem, ora os polos se afastam. Talvez "magnetismo" seja a palavra chave da relação entre narradora e personagem.
Grito de afeto, canto do cisne
O projeto de King Kong en Asunción começou em 2007, durante um festival de cinema em Nova Iguaçu (RJ). Camilo conheceu o ator Andrade Júnior no evento. Brincalhão e alegre, o artista fez uma performance de gorila que chamou a atenção do cineasta. Ali, teve um estalo.
A partir disso, Camilo começou a desenvolver o roteiro ao longo dos anos. Procurou trazer a alegoria de um King Kong em busca de afeto em Assunção, em vez de Nova York.
— Todos os afetos que ele mantinha foram sendo massacrados. Ele é um subproduto da falta de afeto. Cresceu cheio de ódio, e a falta de afeto gera mais ódio. É algo que vemos bastante hoje em dia em todo o mundo, muito discurso de ódio — explica Camilo.
Além disso, o cineasta queria que o grito do gorila fosse político também. King Kong en Asunción refere sutilmente a necropolítica — poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer.
— O filme traz as consequências de uma colonização nefasta, preconceituosa, excludente, cujos efeitos a gente vê hoje na prática com o que está acontecendo no país. Quanto sangue não segue sendo derramado com a disputa de terra? Se você for ver, a necropolítica já vem junto com a nossa colonização, dado o extermínio de povos — destaca o diretor.
King Kong en Asunción é também o canto do cisne de Andrade Júnior, que morreu aos 74 anos em 2019. Tendo inspirado a premissa da obra e sendo um dos principais incentivadores do projeto, ele não assistiu ao filme pronto. Andrade entrega um trabalho exuberante como o Velho, tanto que foi premiado postumamente com o Kikito de melhor ator. É um matador taciturno e complexo, diferente daqueles estereótipos do cinema americano à la Charles Bronson.
— Ao longo de 10 anos, Andrade foi ativo e completamente disposto. Depois que conseguimos a verba e fomos fazer o filme, após tanto tempo se preparando, a coisa soou muito natural para ele. Foi intenso. Ao mesmo tempo, Andrade revive nas telas com seu talento e interpretação poderosa — pontua Camilo.