Documento fotográfico pioneiro sobre a cultura imaterial das religiões afro-brasileiras no Rio Grande do Sul, o livro Cavalo de Santo – Religiões Afro-Gaúchas, lançado pela fotógrafa Mirian Fichtner em 2011, ganha nesta sexta-feira (16) o pré-lançamento online de sua nova forma de expressão: o audiovisual. Com 70 minutos, o longa documental marca a estreia de Mirian na direção, em parceria com o produtor Carlos Caramez, que também atuou como coordenador editorial do livro.
O trabalho iniciado há mais de uma década, a partir de dados do Censo do IBGE dos anos 2000 e 2010, apresentou a diversidade das religiões afro-gaúchas com suas características regionais e as diferenças existentes entre os rituais do Sul e os que ocorrem no restante do país. Porto Alegre foi revelada como a capital das religiões afro no Brasil, recorda Mirian, a partir de pesquisa de 2011 da Fundação Getulio Vargas sobre o mapa das religiões. Estes números ainda causam “estranheza” e impulsionam a autora a seguir com a temática:
— É quebrar estereótipos como o de que o Rio Grande do Sul era um pedaço da “europa brasileira”. Mostrar a África que nos habita. O assunto ainda continua causando espanto e incredulidade aqui e mais ainda no restante do Brasil.
Para a construção do documentário, a equipe percorreu os mesmos eventos e casas que o livro, acrescentando algumas cenas novas, de novos rituais. Foram, segundo a fotógrafa, inúmeras visitas aos terreiros fotografados e filmados para acompanhar o calendário de atividades em Porto Alegre, Região Metropolitana, Litoral e sul do Estado, tido como o berço da ancestralidade afro no Rio Grande do Sul.
As captações das imagens foram realizadas de 2014 até o início de 2020. Na pandemia, atividades como eventos e festas foram suspensas nos terreiros, e três entrevistas, realizadas em 2021. Muitas vezes, as filmagens eram feitas apenas com a presença de Mirian e Carlos na equipe, para não interferir nos rituais. Eram “quase invisíveis”:
— Fui iluminador, assistente de produção, carregador, enfim, procurei dar todo o suporte necessário para que ela pudesse filmar e alcançar nossos objetivos de documentar esse tema. A Mirian era chamada de “menina da luz” pelas entidades. Ela era tratada como referência por todos e tinha horas que parecia estar invisível dentro dos terreiros. Foi uma relação fraterna, amorosa e muito respeitosa. Ninguém filma um terreiro sem a permissão das entidades — conta Caramez.
Quando questionada sobre possíveis avanços no espaço de tempo entre os dois lançamentos, Mirian confessa que a onda de intolerância aumentou ainda mais — e que segue aprendendo:
— Só fui entender o que é racismo estrutural quando comecei a documentar este assunto. Constatei que o racismo se manifesta de diversas formas e que a invisibilização das heranças africanas é muito forte na sociedade brasileira até hoje. Existe uma dívida impagável da humanidade com a população negra escravizada. Houve avanços, mas muitos retrocessos também. No filme, abordamos esta questão.
Caramez reforça:
— Talvez tenha sido a visão política e a escolha dos personagens que estão no filme. Contextualizar a questão das religiões afro no RS passa pela história do povo negro e das lutas permanentes que travam pela sua sobrevivência aqui no Sul.
Além da participação de nomes importantes da ancestralidade afro-brasileira no Rio Grande do Sul, o filme conta com depoimentos de antropólogos e sociólogos, abordando a história e a formação das religiões. Com recursos da Lei Aldir Blanc para finalização e lançamento, o longa ficará disponível por 15 dias no site cavalodesantofilme.com.br.