Ainda bela, inteligente e rica, Emma Woodhouse está de volta às telas para mais uma adaptação cinematográfica de Jane Austen. Um quarto de século após a história retornar aos holofotes com o não-ortodoxo As Patricinhas de Beverly Hills e 24 anos depois da versão clássica — e levemente açucarada — com Gwyneth Paltrow, Emma. (2020) busca resolver algumas pendências da personagem.
Mais uma vítima da pandemia, o longa chega ao país diretamente nas plataformas de video on demand, uma vez que as salas de cinema seguem fechadas. A produção já está disponível nos serviços da Sky e da Apple.
É a estreia na direção de Autumn Wilde, famosa por seu trabalho como fotógrafa (ela assina capas de álbuns de Elliott Smith, She & Him, The White Stripes, entre outros). A produção ainda apresenta Anya Taylor-Joy como a jovem Emma, de 21 anos, que sempre foi mimada por todos; Johnny Flynn como Mr. Knightley, irmão do marido de sua irmã, que faz questão de ser o único a apontar as falhas da heroína; e Bill Nighy como o indulgente patriarca Mr. Woodhouse, mais preocupado com doenças imaginadas do que com a realidade ao seu redor.
Ambientada na Inglaterra rural do começo do século 19, a história tem início com o casamento de Miss Taylor. Ela era até então governanta de Emma, sua melhor amiga e única figura materna da heroína. Uma vez solta e só em Hartfield, a propriedade de seu pai, a protagonista decide ser tutora de uma jovem das redondezas, Harriet Smith. Dotada de uma ideia "boa demais" ao próprio respeito, Emma está certa de que conseguirá um bom casamento para a amiga.
Cabe ao Mr. Knightley apontar — com prazer — os defeitos da dama, que mais ilude Harriet do que a presta qualquer serviço. A moça provavelmente é a única personagem ainda mais ingênua do que Emma, que segue interpretando mal o sentimento de todos à sua volta (inclusive os próprios).
Também é Harriet, no entanto, quem recebe o pior tratamento de Austen no material original. Após um amor não correspondido, por um cavalheiro muito mais rico que ela, só resta à moça retornar ao seu lugar e aceitar uma proposta mais modesta, saindo para sempre da vida da protagonista.
O roteiro de Eleanor Catton resolve que já é hora de Emma se redimir e não aceitar a saída mais fácil. Assim, no último ato, o filme se desvencilha do texto de Jane e mostra que, mesmo no amor, um pouco de sororidade é possível.
Comédia
Mesmo com um desfecho que se afasta da obra original, Emma. busca retomar o espírito das obras de Austen, que muitas vezes é ignorado por Hollywood: a comédia. Mais do que tudo uma sátira do seu tempo, os romances da britânica são preenchidos por ironia e, pelo menos desta vez, Autumn de Wilde quer ver o público gargalhar com a escritora.
Até o trabalho dos criados — vestindo, limpando e julgando os mestres a distância — se torna um elemento essencial na sátira desta sociedade de tantas cerimônias. Algo tão banal quanto abrir uma porta, não pode ser feito por um nobre. E uma simples ida à igreja requer uma série de formalidades. Enquanto isso, os diálogos seguem o texto de Austen com rigor.
A própria estética de Emma. se afasta do tom ditado por outras obras similares, como Orgulho e Preconceito (2005), de Joe Wright, ou das adaptações de Austen para a BBC — Emma ganhou uma minissérie em 2009, com Romola Garai. As cores são mais vívidas, os vestidos cheios de texturas e as personagens exuberantes em acessórios. A seriedade se afasta e, por vezes, é possível ver quase um reflexo dos sonhos cor de rosa de Sofia Coppola em Maria Antonieta (2006).
A atmosfera fica completa com a música do filme, que mistura canções folclóricas inglesas com Mozart e as trilhas criadas por David Schweitzer e Isobel Waller-Bridge (irmã de Phoebe, de Fleabag). Sobra até um dueto de Drink to Me Only With Thine Eyes, entre Amber Anderson e Johnny Flynn. A Regência Britânica, certamente, nunca foi tão pop.