Uma verdade "universalmente reconhecida" no universo literário contemporâneo é o papel fundamental que ocupa no cânone da literatura mundial Jane Austen (1775 – 1817), cujos 200 anos de morte se completam hoje. Para marcar a data, várias atividades serão organizadas internacionalmente. E Porto Alegre se junta ao calendário do "Jane Austen Day" com uma atividade aberta e gratuita na biblioteca Josué Guimarães do Centro Municipal de Cultura (Erico Verissimo, 307).
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A tarde de hoje será ocupada pela apresentação de trabalhos sobre a autora, entre 15h e 18h30min, e por uma mesa-redonda a partir das 19h com participação de quatro especialistas na autora inglesa: Bianca Rossatto, Ana Iris Ramgrab e, em videoconferência, Deborah Simionato e Carol Chiovatto, tradutora.
Jane Austen é incontornável, seja como escritora, seja como figura cultural. Criou uma obra tão curta como impactante, capaz de influenciar autores há dois séculos – Ian McEwan recentemente reconheceu por escrito o quanto Reparação, seu premiado romance, devia a Abadia de Northanger. Em uma entrevista para a revista The Believer, Joan Didion fez o elogio do modo como Austen soube dar forma literária ao que era, essencialmente, a brutal noção do "prazo de validade" de uma mulher na sociedade vitoriana: quem não casasse até os 20 anos, corria o risco de precisar sobreviver do favor de parentes estranhos, por exemplo. Ao mesmo tempo, Austen foi mal lida em vários aspectos – uma falta de compreensão da ironia de muitas de suas obras formatou muito da literatura romântica descartável de banca de jornal que se vende até hoje. Talvez seja por isso que, como relembrou recentemente a jornalista espanhola Andrea Aguilar em um artigo para o El País, seus fãs desenvolvam uma relação tão próxima e intensa com sua autora a ponto de se sentirem os únicos que a compreendem corretamente: "O debate inflamado sobre a 'leitura correta' das obras, sua popularização ou transformação em um produto pop e equivocadamente superficial, é algo tão clássico como as roupas de corte imperial que vestem suas heroínas nas recorrentes adaptações cinematográficas e televisivas de seus seis livros".
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A permanência de Jane Austen no panorama literário dois séculos após sua morte é um atestado de ressonância duradoura. Apenas para dar um exemplo, em 1826, pouco menos de 10 anos após a morte da escritora, Walter Scott, na época famoso como poeta e escritor de Ivanhoé,Rob Roy e outras obras que o tornariam o criador do moderno romance histórico, escreveu sobre Austen em seu diário, depois de ler pela terceira vez Orgulho e Preconceito: "Essa jovem tinha um talento, o mais maravilhoso que já vi, para descrever os enredos e os sentimentos e os personagens da vida comum". Curiosamente, a própria Jane Austen tinha uma opinião ambivalente sobre Scott. Em uma carta a sua sobrinha Anna, em 1814, Austen comentava nos seguintes termos o livro Waverley: "Walter Scott não tinha nada que escrever romances – especialmente bons. Não é justo. Ele tem fama e fortuna suficientes como poeta, e não deveria tirar o pão da boca de outras pessoas. Não gosto dele, e não quero gostar de Waverley se puder evitar – mas temo que vou".
Não deixa de ser interessante que Austen, hoje, seja uma autora muito mais lida e reconhecida internacionalmente do que Scott, ainda um patrimônio da língua inglesa, mas cujos romances históricos parecem especialmente datados. Jane Austen permanece profunda, marcante, alguém capaz de construir quadros refinados com a mais cotidiana das matérias.
O UNIVERSO DE AUSTEN:
RAZÃO E SENSIBILIDADE (1811)
Obra que estabelece os temas que a autora trataria com frequência: as duas filhas de uma viúva desalojada de seu lar precisam arranjar um bom casamento.
ORGULHO E PRECONCEITO (1813)
Numa família com cinco noivas em potencial, a voluntariosa Elizabeth primeiro detesta e depois se aproxima de um nobre arrogante. Obra-prima da autora, primor literário.
MANSFIELD PARK (1814)
Criada no lar de um casal de tios ricos, a pequena Fanny Pryce se vê intrigada com os motivos potencialmente obscuros de um par de irmãos que hospedam na residência.
EMMA (1815)
Sempre muito certa de que tem um olho clínico para detectar casais "apropriados" um para o outro, a jovem e rica Emma interfere nos relacionamentos à sua volta.
PERSUASÃO (1818)
Mal aconselhada, a jovem Anne dispensa um apaixonado decente porém sem posses. Sete anos depois, se vê repensando a decisão após um reencontro. Publicado postumamente.
A ABADIA DE NORTHANGER (1818)
Jovem impressionada pelo que leu em romances sensacionalistas da época se vê hospedada numa abadia com sinais de um passado misterioso. Comédia também de publicação póstuma.