Já se foi aquele tempo que o Brasil se unia para torcer por uma produção nacional no Oscar – como foi com O Quatrilho (1995) e Central do Brasil (1998) –, tal qual uma partida da Seleção na Copa do Mundo. A polarização no país traz um cenário curioso à premiação deste domingo. Indicado na categoria de melhor documentário, Democracia em Vertigem é o Brasil no Oscar neste ano, mas há no país quem não se sinta representado pelo filme da diretora Petra Costa (Elena). A produção está disponível na Netflix.
Marcado pelo tom intimista da narração da cineasta com imagens de bastidores, o longa mostra o ponto de vista de Petra sobre a turbulência política brasileira dos últimos anos: atravessa pelos anos de governo petista e chega aos protestos de junho de 2013; o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016; a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018; e a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência. Neta de Gabriel Donato de Andrade, um dos fundadores da Andrade Gutierrez, a diretora também expõe passagens de sua trajetória e de seus pais, que foram militantes de esquerda durante a ditadura militar.
No entanto, o documentário foi alvo de controversas. Uma reportagem da revista Piauí revelou que uma foto exibida no filme foi adulterada para esconder duas armas ao lado dos corpos de integrantes do Partido Comunista do Brasil – Pedro Pomar e Ângelo Arroyo –, mortos em 1976 pela ditadura militar. Segundo Petra, ela esperava que alguém do público notasse a edição. "Pedro era o mentor político da minha mãe, e foi amplamente reconhecido que a polícia plantou armas ao redor dos corpos dos ativistas assassinados, como uma desculpa para seus assassinatos brutais”, disse em nota a diretora, que justificou a alteração como uma homenagem para ficar mais "próxima à provável verdade".
Outra crítica bastante comum tem relação à parcialidade da visão de Petra em Democracia em Vertigem – embora todo documentário apresente o olhar individual de quem o realiza. No Twitter, o PSDB ironizou dizendo que o filme foi indicado a "melhor ficção e fantasia". Bolsonaro também tratou o documentário como ficção e disse a jornalistas na saída do Palácio da Alvorada que "para quem gosta do que o urubu come, é um bom filme". Em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, que repercutiu no Brasil inteiro pelas redes sociais, o apresentador e jornalista Pedro Bial classificou o longa como "mentiroso" e "insuportável", que Petra "fica chorando o filme inteiro".
Em uma entrevista no dia 1º fevereiro ao canal norte-americano PBS, Petra listou uma série de acusações contra o governo, como o incentivo às queimadas na Floresta Amazônica e o índice de mortes causadas pela polícia ter crescido em 20%. No Twitter, apoiadores de Bolsonaro subiram a hashtag #PetraCostaLiar ("Petra Costa mentirosa") para desacreditar as declarações. A Secretaria de Comunicação do governo acusou a cineasta de assumir "o papel de militante anti-Brasil" e de estar "difamando a imagem do país no exterior". "Estamos aqui para mostrar a realidade. Não acredite em ficção, acredite nos fatos", disse a Secom na mesma publicação.
De qualquer maneira, Democracia em Vertigem é menos tarimbado que seus concorrentes: Indústria Americana venceu o Gothan (uma das principais premiações do cinema independente nos EUA) e o Sindicato dos Diretores; For Sama ganhou o Bafta; The Cave conquistou o Critics' Choice; já Honeyland, premiado em Sundance, aparenta força com a Academia por também concorrer como melhor filme internacional. Por outro lado, o site Indiewire aponta que o documentário brasileiro é um dos favoritos da categoria. Resta saber que lado do Brasil irá comemorar o vencedor de melhor documentário no domingo.
Os concorrentes
Indústria Americana
Realizado pela Higher Ground, primeira produção da empresa criada por Barack e Michelle Obama, o documentário registra as atividades de americanos e chineses em uma fábrica de vidros para automóveis em Dayton, Ohio. O que se vê é um contraste da cultura americana trabalhista com a disciplina militar e situações precárias promovidas pela empresa da China. Com direção de Steven Bognar e Julia Reichert, está disponível na Netflix.
Honeyland
Dirigido por Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska, o documentário da Macedônia do Norte também concorre na categoria de melhor filme internacional. Com uma estrutura que remete a um filme de ficção, Honeyland conta a história de uma apicultora que precisa lidar com a chegada de vizinhos nômades, que são displicentes com o ecossistema. Sem previsão de estreia no Brasil.
The Cave
Com imagens impactantes, o documentário apresenta a rotina de um hospital subterrâneo em uma Síria constantemente bombardeada em sua guerra civil. The Cave foca na Dra. Amani Ballour, uma jovem pediatra que oferece esperança e tratamento a crianças e civis doentes e feridos. O documentário será exibido pelo canal National Geographic nesta sexta, às 21h45min, no sábado, às 23h10, e no domingo, às 18h.
For Sama
Também ambientado na guerra na Síria, o documentário é uma espécie de vídeo-carta de Waad al-Kateab a sua filha recém-nascida. Ela é uma mãe que filmou durante cinco anos sua vida na cidade de Aleppo, após a tomada por rebeldes. No longa, vemos momentos leves de seu cotidiano e intimidade, alternados com sua luta pela sobrevivência em meio aos bombardeios e as atrocidades da guerra. Sem previsão de estreia no Brasil.