É preciso compreender o contexto histórico do Brasil em 1970, quando Rogério Sganzerla (1946-2004) tentou lançar comercialmente Copacabana Mon Amour, mas o filme acabou censurado pela ditadura militar. Considerada uma das experiência estéticas e narrativas mais radicais do cinema brasileiro, o longa-metragem foi restaurado em 2015 e inspirou o artista visual Nuno Ramos a criar a performance audiovisual Cinema Ao Vivo: Copacabana Mon Amour, com a participação da atriz Helena Ignez, que interage em um palco com projeção do filme que estrelou há quase 50 anos. A performance, com duração de 24 horas ininterruptas, fez sua estreia nacional em Porto Alegre às 20h desta terça-feira (6), na Cinemateca Capitólio.
Sganzerla, realizador catarinense que despontou como um dos grande autores do cinema nacional em 1968, quando apresentou o clássico O Bandido da Luz Vermelha, promove em Copacabana Mon Amour reflexões ousadas e anárquicas abordando temas como a causa LGBT, o sincretismo religioso pautado na influência das religiões africanas no país e o empoderamento feminino.
Embalado pela trilha sonora de Gilberto Gil, Copacabana Mon Amour conta a história de Sônia Silk (Helena), prostituta que ganha a vida no calçadão de Copacabana e sonha em ser cantora da Rádio Nacional. Ao mesmo tempo, ela vê espíritos e acredita, assim como a sua mãe, que seu irmão homossexual, Vidimar (Otaniel Serra), está possuído por uma força sobrenatural. Ela, então, recorre a diferentes instituições religiosas para acabar com o suposto sofrimento.
Nuno Ramos coloca Helena Ignez, prestes a completar 80 anos, sobre um palco diante da tela decorado com diferentes elementos cenográficos. A estrutura conta com móveis e objetos de uma residência comum: cama, poltrona grande de couro, mesa com papéis para ler, geladeira, abajures e banheiro (químico) .
Risadas e referências bem atuais
Na plateia lotada do Capitólio na noite desta terça, havia pessoas de todas as idades. Helena começa sentada em uma poltrona vermelha, quase dormindo. Ainda nos primeiros 10 minutos de projeção, a atriz circula pelo palco com os braços para o alto, assim como os figurantes de uma cena em que ocorre um ritual afro-brasileiro. A seguir, Helena parecia admirar a ousadia do que era projetado no telão.
— Tenho nojo de pobre — diz Sônia, no filme.
A própria Helena repete a frase, provocando risadas da plateia — o que lembrou o bordão de Caco Antibes (interpretado por Miguel Falabella) no programa humorístico Sai de Baixo.
Em outra cena, Sônia lida com sua realidade, no meio do morro carioca, e solta a seguinte expressão:
— Macaca de auditório, Paraíba (mais risos da plateia, provavelmente provocados pela lembrança da frase recente do presidente Jair Bolsonaro sobre governadores do Nordeste). Tem um enterro na minha frente.
O papel da polícia e a liberdade de homossexuais também estão em questão no filme:
— A polícia salva o Brasil dessas loucuras — brada um dos populares em uma das cenas de Copacabana Mon Amour, com eco de Helena.
Outro momento:
— Estou apaixonado pelo meu patrão — repete Helena, como dito pelo irmão de Sônia na tela.
Algumas interjeições também buscam a reflexão do passado no presente.
— Qual o destino do homem, o que estamos fazendo aqui na Terra? — questiona a atriz no palco.
Mais adiante, Helena troca de roupa e se veste como Sônia Silk, de vestido vermelho e peruca loira. Perto do final do filme, canta uma das faixas da trilha assinada por Gilberto Gil:
— Eu agora encontrei quem me compreende e que me quer bem.
Nesta quinta-feira (8), das 14h às 16h, a prefeitura de Porto Alegre promove uma conversa de Nuno Ramos e Helena Ignez com o público sobre a performance.
Será no Instituto de Cultura da PUCRS, no 7º andar da Biblioteca Central da universidade (Av. Ipiranga, 6.681). Para participar, é preciso inscrever-se, de forma gratuita, no link: bit.ly/conversacinema.
A performance é transmitida em tempo real pelo canal do Atelier Livre no YouTube: