Meados de 1990. Chegava o final de semana e, automaticamente, o momento de ir à locadora de vídeo. Com sorte, conseguir algum lançamento (era uma Missão: Impossível). Quem sabe, perder uma hora observando todas aquelas capas nas prateleiras (lembra o estojo de Jurassic Park com relevo?) e lendo as sinopses dos filmes pela milésima vez. Conversar com o atendente, esse oráculo do cinema, ajudava na escolha. Alugada a fita, era torcer para que o videocassete não a engolisse. Segunda-feira era dia de devolução, e ai de quem entregasse a fita sem rebobinar – falta de etiqueta que foi extinta com a chegada do DVD nos anos 2000. Mesmo que o disco digital tenha dado novo vigor ao hábito da locação de filmes, vieram a pirataria e o streaming para afastar de vez a clientela de uma casa tão acolhedora.
Julho de 2019. Um atendente da E o Vídeo Levou circula pela locadora vazia.
– Esses dias conheci alguém que se mostrou espantado ao saber que ainda existia locadora. Mas mais espantoso foi saber que atendo em uma (risos) – diz Charles Schumacher, para agrura daqueles jovens dos anos 1990 que, em algum momento, sonharam em trabalhar como atendente de locadora.
Não é novidade o esvaziamento e o fechamento das locadoras. Em 2014, Zero Hora publicou reportagem que apontava “um cenário de previsões catastróficas para o futuro desse negócio”. Visitada na ocasião, a Espaço Vídeo, uma das mais tradicionais da Capital, fechou no ano passado a última de suas lojas. O mesmo ocorreu com outras locadoras nos últimos cinco anos. No entanto, ainda há estabelecimentos que seguem, quixotescamente, abastecendo clientes fiéis.
Fundada em agosto de 1988, a E o Vídeo Levou está localizada no Jardim Botânico, em um edifício com dois andares preenchidos por 32 mil DVDs e Blu-rays de filmes séries e shows distribuídos em diferentes categorias – gêneros, diretores, países e escolas cinematográficas, entre outras. Ao entrar na locadora, o cliente depara com um balcão sinuoso tomado por caixas de DVDs. Atrás do balcão, uma parede com cartazes de filmes à venda. Os atendentes Charles Schumacher e Luciano Fraga, ambos com mais de 10 anos de loja, além do proprietário, Alvaro Bertani, se revezavam para suprir o público que compareceu parcamente naquele final de tarde de segunda-feira. Em outros anos, haveria filas para devoluções. Desde 2009, o público vem diminuindo, de acordo com Bertani:
– Aqui já foi um caos total, não parávamos um minuto, das 10h às 22h. Trabalhávamos em 15 funcionários. Hoje somos em três e mais um motoboy. Chegamos a alugar 18 mil títulos por mês. A média agora é de 3,5 mil.
Se antes os lançamentos eram disputados a tapa, agora não há mais essa correria.
– O perfil do cliente ia da criança ao idoso. Hoje, temos um público mais adulto, dos 40 anos para cima, que busca muito clássico. Também tem os estudantes de cinema, que buscam filmes de movimentos como Expressionismo Alemão e Nouvelle Vague – destaca Bertani.
Entre os clientes daquela segunda gelada estava o professor universitário Celso Rodrigues, 56 anos, frequentador da locadora há mais de 15. Ele buscava um filme na estante de cinema soviético:
– Sou bem eclético, pego de tudo. Aqui tem esse aspecto de achar coisas fora do eixo, que não vão passar na grande mídia e não se encontram na internet. Há coisas que só se encontram na locadora.
Atendimento
Outro diferencial da E O Vídeo Levou, conforme Celso, é o atendimento singularizado:
– Alvaro é o cara que sabe mais de cinema depois de mim (risos). Ele educa muito as pessoas. Sabe os gostos dos clientes. Não fica indicando só “filme cabeça”. Se não conhece, vai atrás, pesquisa.
Rafael Madeira, 42 anos, também é da opinião de que há muitos filmes bons que não estão disponíveis na internet. Para o professor de ciências políticas, a conversa com os atendentes o ajuda a encontrar filmes para suas aulas:
– Chego aqui e peço filmes que retratem a França do século 18. Eles te dão várias opções, não só as que você quer. Falam: “Olha só, esse filme tem um contraponto muito legal de fazer analisando esse outro, que fala da sociedade inglesa do mesmo período, ou um que pega a sociedade francesa não a partir do recorte que você quer, mas a partir da plebe” – elogia, enquanto procura títulos na seção e adaptações literárias.
O atendimento da locadora é, muitas vezes, mais eficaz que uma consulta ao Google.
– Eles sempre têm boas dicas de filmes que você não conheceria tateando estandes aleatórios e não acharia em mecanismos de pesquisa ou na Netflix. Esse contato pessoal faz com que a E O Vídeo Levou seja tão atrativa – garante Madeira.
A E o Vídeo Levou vende e aluga filmes a distância pelo seu site – além de atender pelo telefone e WhatsApp. A venda de títulos, que é para o Brasil inteiro, representa 40% da receita da locadora. Para Bertani, o grande mote da locadora é, mais do que nunca, o balcão:
– É a conversa com o cliente. O que é melhor de tal movimento? Quem seguiu tal diretor? É esse tipo de comentário que ajuda.