Mariza Leão filmava no Exterior quando chegou à produtora Morenas Filmes, enviado pelo autor, o livro O Paciente - O Caso Tancredo Neves, de Luís Mir. O livro ficou jogado em cima da mesa, até que Sergio Rezende, que não acompanhava a mulher, resolveu folheá-lo. Não largou mais. Como todo o Brasil, Rezende acompanhou o caso do presidente eleito que não chegou a tomar posse. O livro não romanceia a história. Mir teve acesso aos arquivos dos hospitais de Brasília e São Paulo em que Tancredo esteve internado. Foi aos documentos. Prontuários. Seguiu o dia a dia do paciente. Rezende ficou fascinado. Começou a achar que aquilo dava filme. E deu.
O Paciente estreia nesta quinta-feira (13), em 75 salas do país, incluindo as de Porto Alegre (leia mais abaixo). Não é um lançamento grande. É médio. Privilegia as capitais. Tancredo pautou sua vida política como um moderado negociador. No Brasil polarizado de 2018, seu exemplo aponta um caminho do meio. O próprio Rezende pergunta:
- Nesse quadro político, a quem o filme interessa? Nenhum partido nem candidato vai poder se apropriar dele. É um thriller médico, não político.
O Paciente recria a sucessão de erros médicos que levou à morte de Tancredo, em 1985. É verdade que eles começaram pelo próprio paciente.
Após a derrubada na campanha das Diretas Já no Congresso, Tancredo construiu sua vitória do Colégio Eleitoral, pelo voto indireto. Ele sabia das restrições dos militares a seu vice, José Sarney, a quem consideravam traidor. Temia que o presidente militar, João Figueiredo, não o empossasse. Por isso, quando as dores que sentia se tornaram insuportáveis, Tancredo exortou os médicos que o assistiam em Brasília a sedá-lo, para minimizar a dor. Só pedia um ou dois dias, até a posse. A situação evoluiu da pior forma possível. Erros da equipe do Hospital de Base, em Brasília. Erros que continuaram no hospital em São Paulo e que terminaram em morte.
Como diretor de filmes grandes que investigam a história - Lamarca, Canudos, Salve Geral, etc. -, Rezende sabia o filme que queria realizar.
- O Othon (Bastos), que faz Tancredo, ao ler o roteiro disse que os médicos eram os protagonistas. Eu retruquei - conta.
Eles podem ser os protagonistas da trama, mas não do drama. O drama é o de Tancredo.
- Não pense em termos de política. Pense num estudante que ganhou uma bolsa no Exterior e, na véspera de partir, cai doente e corre para o hospital. Pense num jogador, no Fenômeno, às vésperas de um jogo decisivo. Qualquer pessoa que, a um passo de alcançar tudo aquilo por que lutou, tomba vítima de uma sucessão de erros. O drama de Tancredo expõe a fragilidade do humano - explica o diretor.
E Sergio Rezende continua:
- Embora eu diga que o filme não é político, partidário, ele começa e termina com o povo nas ruas, e isso é político. Tancredo uniu o Brasil nas Diretas Já e no seu funeral. Fiz filmes que foram elogiados, criticados. Filmes dos quais as pessoas gostaram, ou que odiaram. Mas confesso que nunca fiz um filme que tenha revelado esse apelo emocional. Mostramos O Paciente em pré-estreias em São Paulo, no Rio, em Belo Horizonte. Agora mesmo, vim de uma sessão para estudantes. E as pessoas choram, as pessoas se emocionam. Todo mundo conhece uma história parecida, de gente que lutou e esteve por um triz de alcançar. De gente que tombou vítima de erros médicos.
Justamente por nomear todos os médicos que erraram - e mostrá-los muitas vezes demasiado humanos, na sua vaidade -, Rezende não teme processos?
- O livro é de 2010 e não gerou processo algum. Quando disse que ia fazer o filme, um advogado de Brasília ameaçou me processar, mas não foi adiante. Luís Mir documentou-se muito. O filme só ficcionaliza ao dramatizar as cenas, os diálogos que não estão nos prontuários. Tudo isso aqui é verdadeiro, a trama e o drama. O filme mostra o fim de alguma coisa, mas não é o fim-fim. O sonho não acaba - argumenta.
Relato seco, documentado. E a emoção do povo na rua
Na entrevista, o diretor Sergio Rezende expõe a diferença entre a trama e o drama de O Paciente, seu longa sobre a agonia e morte de Tancredo Neves, que sonhou ser presidente do Brasil, construiu sua vitória no Colégio Eleitoral indireto e, mesmo eleito, não tomou posse. A trama é essa incrível sucessão de erros médicos que levou ao desenlace fatal. O drama é humano, do homem que, inspirado no exemplo de Tiradentes, "aquele herói enlouquecido de liberdade", tinha um projeto para o Brasil, mas não conseguiu concretizá-lo.
O Paciente é um filme bem feito - muito bem feito. Chega a lembrar um pouco o cinema documentado do italiano Francesco Rosi. Com base no livro de Luís Mir, Rezende fez um filme baseado em prontuários médicos. Seco, duro. A ficção nasce dos diálogos que dão sustentação a cenas que a história registra - os médicos reuniram-se, a família decidiu. Tancredo Neves está sozinho com a mulher, Risoleta Neves, no quarto de hospital. Não houve testemunhas desses diálogos, mas o cinema os imagina. Tudo muito austero.
Boa parte dos valores de O Paciente são de produção, a cargo de Mariza Leão, mulher de Rezende, na sua Morena Filmes. Ester Góes pode não ser parecida com Risoleta, mas o figurino, o penteado, tudo é rigorosamente exato e o restante fica por conta do extraordinário talento da atriz. O drama também é de Antônio Britto, vivido por Emílio Dantas (o Beto Falcão da novela Segundo Sol), o assessor de imprensa que tenta manter a credibilidade nessa sucessão de erros, mentiras e desmentidos. É uma história absurda - como foi possível que tudo isso ocorresse? O Brasil é um país surreal? O Tancredo negociador é uma quimera. O povo nas ruas é realidade. Milton canta Coração de Estudante. A emoção se impõe. Algumas coisa na tela está acabando, mas o sonho continua.
O PACIENTE - O CASO TANCREDO NEVES
Cinebiografia, 10 anos. De Sergio Rezende. Brasil, 2017, 100min. Os últimos dias de Tancredo Neves, primeiro presidente eleito após o fim da ditadura e que morreu antes de ser empossado. Com Othon Bastos e Leonardo Medeiros.
Onde ver:
- Cinemark Ipiranga 4
- Cinemark Ipiranga 5
- Cinespaço Wallig 7
- Espaço Itaú 3
- GNC Praia de Belas 4