Não foram poucos os projetos que Orson Welles (1915 – 1985) iniciou e não conseguiu finalizar. Mas um deles teve tantas complicações que ganhou uma aura mítica: The Other Side of the Wind, rodado entre 1970 e 1976. Na semana passada, 42 anos após a última cena ser filmada, uma versão finalizada estreou no Festival de Veneza.
A versão exibida no Lido mostra que, de fato, existia um material completo, apenas à espera de uma edição. Material caótico, é bem verdade, e que é muito provavelmente o mais experimental que Welles já rodou, mas é um filme com início, meio e fim. Com a morte do cineasta, em 1985, por várias vezes cogitou-se finalizar o filme, mas questões legais ou financeiras barraram a continuidade. Há dois anos, a Netflix entrou em acordo com Oja Kodar (viúva de Welles) e a finalização decolou. A edição final ficou a cargo de Bob Murawski (de Guerra ao Terror), com supervisão do cineasta Peter Bogdanovich.
A trama conta a história de Jake Hannaford (vivido pelo cineasta John Huston), diretor de cinema famoso que, em sua festa de 70 anos, exibe aos convidados seu novo filme. Ali, em ambiente confuso, cheio de personagens, ficamos sabendo que o diretor tinha um romance com o ator de seu filme, jovem que abandonou a produção no meio após se desentender com o exigente Hannaford.
Fiel ao estilo de Orson Welles, The Other Side of the Wind tem a estrutura em flashback e, às vezes, um certo tipo de montagem usado em filmes como Verdades e Mentiras (1973). Falar sobre cinema e mostrar o retrato apaixonado de um homem de personalidade controversa também são elementos fortemente wellesianos. Mas, fora isso, mal se percebe ser um filme do diretor de Cidadão Kane. O longa parece um enorme laboratório para exercícios estilísticos do diretor. Orson Welles brinca com a câmera: experimenta, acerta, erra, exagera. Sem medo.