Há cem anos, em 6 de maio de 1915, nascia o autor do maior filme do mundo. Os resultados das enquetes, de vez em quando, até podem indicar outro à frente de Cidadão Kane (1941), mas o impacto do longa de estreia de Orson Welles só encontra comparação, a rigor, com projetos dos irmãos Lumière (os inventores do cinema) e de D.W. Griffith (o diretor de O Nascimento de uma Nação, título de 1915 definidor da gramática básica da linguagem cinematográfica).
Reduzir o gênio de Welles ao seu filme mais famoso, no entanto, seria um equívoco que o exame mais atento da história do século 20 não deixa cometer. Natural da fria Kenosha, cidade de 90 mil habitantes ao norte de Chicago, ele ficou órfão de pai e mãe na adolescência. Estudou pintura e, em Nova York, aos 21 anos, fundou a companhia Mercury Theatre.
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Obsessão Orson Welles, por Antônio Xerxenesky
Fez fama em 1938, ao levar à rádio CBS uma dramatização de A Guerra dos Mundos (1898), de H.G. Wells, no qual narrava uma invasão alienígena à Terra. Era um horário dedicado ao radioteatro e usualmente ocupado pela Mercury Theatre (foto abaixo), mas as massas levaram a encenação a sério, e o pânico se espalhou pelos EUA. Quem estava por trás da performance? A RKO investigou e resolveu levar o responsável a Hollywood, dando-lhe autonomia artística para realizar um longa-metragem, algo não tão comum na era de ouro da indústria do cinema.
Deu no que deu. O que, excluindo detalhes mas mantendo a ordem dos fatos, foi o seguinte: Welles assinou uma obra-prima que incorporava todas as inovações técnicas e de linguagem de seu tempo (leia mais sobre Cidadão Kane aqui), mas não fez sucesso de público, o que desgostou os executivos, que resolveram assumir o controle de seus filmes seguintes, frustrando o jovem artista e, aos poucos, afastando-o de Hollywood.
Vídeo: críticos de ZH falam sobre Welles:
Welles não era um sujeito fácil. Em meio ao turbilhão pós-Cidadão Kane, aceitou ser um dos embaixadores artísticos dos EUA na América Latina, o que o trouxe ao Brasil para realizar o inacabado documentário Its All True ("É tudo verdade"). Foi um período de trabalho e, também, de farra - descrita em biografias, reportagens e filmes diversos sobre ele (sobre o episódio, Rogério Sganzerla lançaria Nem Tudo É Verdade em 1986). Poucos anos depois de Cidadão Kane, o cineasta já havia se envolvido com diversos projetos, alguns abandonados, outros finalizados à sua revelia. De comportamento politicamente incorreto, cultivou muitas inimizades - e, para os detratores, transformou-se em um personagem de si próprio, polemista e fanfarrão, desleixado com a aparência e despreocupado com as consequências de seus atos.
Protagonista de quase todos os seus filmes (além de acumular outras funções), sabia usar o corpo para personificar vilões sórdidos, porém humanizados (na foto acima, Macbeth). Cético, pessimista e com capacidade de rir de tudo, incluindo de si próprio, tinha predileção pelas tramas de ruína e autodestruição. "Quase todas as histórias sérias no mundo são histórias de fracasso", disse certa vez. "Mas, nessas histórias, geralmente há mais paraíso perdido do que propriamente derrota."
Welles viveu a tragédia da vida de modo absolutamente intenso. Morreu em 1985, aos 70 anos, quando o coração, maltratado pelos excessos, entrou em colapso. Como se a obra que deixava não fosse suficiente (foram dezenas de filmes, como ator e diretor), deu munição a repórteres e escritores com seus causos de confronto com os produtores e rebeldias diversas. E com suas frases definitivas, sobre tudo e sobre todos. Nunca houve um filme como Cidadão Kane, nunca houve um artista como Orson Welles.