Declarado persona non grata no Festival de Cannes em razão das manifestações de simpatia a Hitler que fez quando concorreu à Palma de Ouro com Melancolia, em 2011, o diretor dinamarquês Lars von Trier retornou ao certame francês para exibir nesta segunda-feira (14), fora de competição, The House that Jack Built. E voltou acendendo o pavio de uma nova polêmica.
Após os aplausos recebidos no tapete vermelho, na companhia dos atores Matt Dillon, Sofie Grabol, Bruno Ganz e Siobhan Fallon Hogan, Von Trier viu a recepção calorosa se transformar em desconforto, vaias e dabandada da plateia ao longo da première. The House that Jack Built acompanha, sublinhando a narrativa com muita violência gráfica, os passos de um serial killer (Dillon) que comete crimes brutais nos anos 1970 e 1980.
Nas primeiras resenhas da imprensa internacional, destacaram-se expressões como "pretensioso", "ultrajante", "desagradável", "patético" e "nojento". Ainda sem previsão de estreia no Brasil, The House That Jack Built é mais um ponto somado na trajetória de bafafás colecionados por Von Trier. Relembre outros:
* Em 1991, Von Trier concorreu no Festival de Cannes com Europa. Mesmo ganhando três prêmios, ficou indignado por não ganhar a Palma de Ouro, que foi para Barton Fink — Delírios de Hollywood, dos irmãos americanos Ethan e Joel Coen. Em seu discurso, Von Trier chamou o cineasta Roman Polanski, presidente do júri, de "anão" e mostrou o dedo do meio para os jurados.
* A cantora islandesa Björk ficou tão traumatizada em trabalhar com Von Trier em Dançando no Escuro (2000) que não seguiu adiante com sua carreira no cinema, apesar de ganhar o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes — e o longa levou a Palma de Ouro. O clima no set ficou tão pesado que Björk chegou a abandonar as filmagens por quatro dias. Recentemente, diante dos escândalos sexuais que abalaram a indústria cinematográfica e desencadearam campanhas como a #MeToo, com mulheres denunciando casos de assédio sexual, a cantora voltou a comentar sua experiência com Von Trier. Sem citar o nome do diretor, fez referências às relações abusivas que envolveram carícias inapropriadas, propostas sexuais, humilhações e ataques de fúria. Em entrevistas, o diretor chamou Björk de louca e disse ter sido uma "experiência terrível" dirigi-la.
* Nicole Kidman também não guarda boas lembranças da convivência com Von Trier em Dogville (2003). A rigorosa e inusual proposta de encenação, com marcação teatral em cenários simbolizados por desenhos e riscos no chão, tornou o processo de realização desgastante física e psicologicamente para o elenco, em especial para a atriz protagonista. Nicole se recusou a repetir a personagem na sequência do longa, Manderlay (2005), sendo substituída por Bryce Dallas Howard.
* "Faço filmes para mim e vocês são apenas meus convidados". A frase de Von Trier aos que criticaram seu Anticristo no Festival de Cannes de 2009 reforçou o clima de beligerância que marca a carreira do diretor. Quando perguntado por que fez um filme que provocava desconforto com cenas violentas como uma mutilação genital, além do tom misógino, respondeu ser o filme "fruto da vontade de Deus”.
* Quando apresentou Melancolia em Cannes, em 2011, Von Trier provocou controvérsia antes mesmo da "entrevista nazista", em que disse "compreender" Hitler apesar de reconhecer que ele fez "coisas erradas". Chegou ao festival com a palavra "fuck" escrita como uma tatuagem em uma das mãos.