Primeiro e mais aguardado dos longas-metragens sobre o impeachment de Dilma Rousseff a estrear nos cinemas (o filme entra em cartaz nesta quinta-feira, 17/5), O Processo é o filme brasileiro mais importante do ano, talvez da década. Em primeiro lugar, por fazer com o cinema uma reflexão que a arte não pode se furtar a realizar neste momento político do país. Segundo e não menos fundamental: porque por trás de sua aparente simplicidade esconde-se uma notável sofisticação narrativa.
O principal responsável por essa sofisticação é o dispositivo usado, que guarda semelhanças com o que a diretora utilizou nos ótimos Justiça (2004) e Morro dos Prazeres (2013), entre outros filmes. Posicionando-se como observadora, que se insere na cena documentada mas mantém distância suficiente para proporcionar um olhar panorâmico sobre ela, consegue mostrar os meandros dos processos jurídicos como uma espécie de rito teatralizado.
Em Juízo (2007), o que se viu foi um rico painel das sessões da Vara da Infância e da Juventude. Em O Processo, é o teatro da justiça política que se apresenta à fruição.
Mesmo que no novo filme o rito tenha "cartas marcadas", como diz o petista Lindberg Farias sobre a comissão presidida por um peemedebista e relatada por um tucano, o filme consegue aprofundar a leitura dos fatos à medida que os condensa, historiando-os, e, ao mesmo tempo, dramatizando-os, conforme escancara o papel de cada ator n’O Processo.
A sensibilidade da observação também é evidenciada na montagem, pela inserção de planos de detalhe (Aécio Neves vibrando em silêncio ao ouvir Janaína Paschoal) e, sobretudo, pelo paralelismo dos discursos (José Eduardo Cardoso respondendo com objetividade ao misticismo da mesma Janaína, por exemplo). A figura da advogada, aliás, sintetiza todo o processo (kafkiano, como indica o título). Não à toa, foi transformada pela diretora na grande personagem do filme.
Há outras figuras de menos destaque em O Processo (Eduardo Cunha e mesmo Dilma) e nuances ainda a serem desveladas (a relação do impeachment com a desmoralização das instâncias republicanas, ainda mais do que os políticos). O teatro da justiça e da política, no Brasil atual, é um prato cheio para os grandes artistas – como Maria Augusta Ramos.
O PROCESSO
De Maria Augusta Ramos
Documentário, Brasil, 2018, 137 min, livre.
Estreia nesta quinta-feira (17/5) no país. Em Porto Alegre, as sessões serão no CineBancários e no Espaço Itaú.
Cotação: ótimo.