A boa repercussão no festival de Sundance de 2016, de onde saiu com o troféu de melhor roteiro (para produções de fora dos EUA), trouxe para o longa-metragem argentino Minha Amiga do Parque uma alcunha curiosa: "uma comédia preocupante".
Essa definição entrega a dificuldade de enquadrar o filme de Ana Katz, que é mais conhecida como atriz (de Kiki e O Crítico), mas que tem carreira consistente como diretora (El Juego de la Silla foi premiado em San Sebástian e Una Novia Errante passou em Cannes). Minha Amiga do Parque é seu quarto longa, o primeiro a estrear no Brasil. Pode ser visto a partir desta quinta-feira (1/3), em Porto Alegre, exclusivamente no CineBancários.
A realizadora tem 42 anos e é casada com o ator Daniel Hendler, um dos rostos da nueva onda argentina da década passada e que, aqui, faz uma ponta como o marido distante da protagonista, com quem ela só fala por Skype. A personagem principal se chama Liz e é interpretada com enorme talento por Julieta Zylberberg (a garçonete de Relatos Selvagens).
Tentar defini-la constitui o primeiro mistério do filme, um típico projeto que o mercado absorve como "comédia dramática", mas que se desenvolve como se fora um suspense, e que aborda a condição da família contemporânea, um tema caro aos títulos dessa linhagem, de maneira absolutamente inspirada.
Liz tem um filho bebê. Não amamenta e é atormentada por isso. No parque onde passeia com a criança, conhece Rosa (vivida pela própria Ana Katz), mulher que age de maneira estranha, ao que tudo indica, aproveitando-se da condição social um tantinho melhor da protagonista para obter vantagens (ficar com o casaco caro dela, ter o carro emprestado, obter um dinheirinho aqui ou ali). Pior é o fato de que Rosa mente, o que faz, alertam amigos de Liz, junto com sua irmã Renata (Maricel Álvarez).
Talvez a chave para entender as motivações obscuras de Liz, que, apesar de tudo, segue interessada em estabelecer uma relação com Rosa e Renata, esteja na maneira como as duas irmãs cuidam da filha pequena – que Rosa diz ser dela, algo depois desmentido por Renata. Mãe de primeira viagem, Liz está cheia de inseguranças sobre o bebê, sentimento que encontra amparo no espelhamento com a situação das duas.
Há algo de compensatório nesse amparo, principalmente, pela ausência do marido, com quem ela não consegue estabelecer uma comunicação satisfatória. A curiosidade é acompanhar como, a cada aparição virtual, ele fica com a aparência mais descuidada, o que dá a sensação de isolamento, e interesses progressivamente mais distantes.
É de um certo aprisionamento da vida doméstica de que está falando Ana Katz. Essa condição, tipicamente feminina, parece inescapável para as mães, que podem vivenciá-la sem se dar conta. Aos olhos da protagonista, as duas irmãs tão diferentes dela, de alguma forma, parecem significar um caminho de libertação. O que ela demora a perceber é que isso, no entanto, não passa de uma ilusão.
Rodar Minha Amiga do Parque no inverno, com uma fotografia que se apoia em tons marrons e cores desidratadas (o vermelho do casado de Rosa é um contraponto vivo, fulgurante), ajuda a entender a situação de Liz. Mas não se trata de um filme pessimista, muito pelo contrário. Há saída para a desilusão, Ana Katz indica. E ela está na união entre as mulheres – inclusive e sobretudo quando essa união parece improvável. Minha Amiga do Parque é, além de feminista, um libelo contra as barreiras estabelecidas pelas diferenças sociais.
Minha Amiga do Parque
De Ana Katz
Drama, Argentina, 2016, 85min.
Estreia no CineBancários, às 15h, 17h e 19h.
Cotação: muito bom.