Foi logo depois de Rio, de 2011. Em conversa com a cúpula da Fox, que lhe propunha novas parcerias com sua produtora Blue Sky, Carlos Saldanha, 49 anos, falou do seu desejo de fazer um filme sobre um touro "diferente". Não pensava especificamente no personagem do livro cultuado de Munro Leaf, mas, quando viu, a Fox estava conversando com os familiares do escritor, que o autorizaram a fazer as mudanças necessárias.
– Pois esse era o problema que via. O livro é fininho, em preto e branco, não me permitiria fazer um longa. Daria, no máximo, outro curta como o da Disney, nos anos 1930. Com a família e o estúdio me dando corda para criar, seria louco se não me lançasse nessa aventura – conta o carioca.
No intervalo, Saldanha fez Rio 2 e o episódio “live action” (com atores) de Rio, Eu Te Amo. Mas estava escrito que ele concluiria O Touro Ferdinando, como seu filme se chama no Brasil. Ferdinando esteve entre os finalistas do Globo de Ouro de animação. Perdeu para Viva – A Vida é Uma Festa, da Pixar. Com certeza, deve ir para o Oscar. Um touro gentil, mas que, de repente, é confundido com uma besta-fera e enviado para uma fazenda de treinamento de touros de briga. Contra a sua natureza, Ferdinando é preparado para participar de touradas. E tudo o que ele quer é voltar para casa, para sua dona. No ano passado, Saldanha veio ao Brasil mostrar cenas da animação que ainda não concluíra. Confessou que estava muito feliz:
– Para mim, era natural fazer um filme como Rio. Sou brasileiro, estava falando da minha cultura. Aqui, precisava me apropriar de outras culturas, e foi o que fiz. O livro de Munro Leaf, ao contrário do curta da Disney (disponível no YouTube), é praticamente desconhecido no Brasil, o que me deu toda liberdade para criar.
Coincidência, ou não, Viva, que venceu o Globo de Ouro, tem raízes no culto dos mortos da cultura mexicana. Ferdinando é enraizado na cultura espanhola.
– Quis fazer o filme bem hispânico. Viajei ao país, fiz pesquisas. A paleta (de cores) de Rio era natural para mim, mas eu tive de estabelecer o que seria a (paleta) de Ferdinando. Muito ocre, vermelho. Cores terrosas. E a história progride. Começa no campo, bucólica, com a relação de Ferdinando com a menina, sua dona. Aí ele vai para a cidade, e a feira é muito colorida. À medida que a trama progride, a multidão aumenta. Na cidade, na arena de touros.
Saldanha complementa:
– Adorei fazer Rio, Eu Te Amo. Trabalhar com atores (Rodrigo Santoro e Bruna Linzmeyer), live action. Quero até ampliar essa experiência, e acho que vai ser muito boa. Mas gosto de trabalhar com animais, contar histórias de bichos. Porque dá para exagerar em tudo. Nas cores, nas emoções. Foi o que fiz no Ferdinando.
Discussão de gênero não foi intenção do diretor
O repórter não se furta a observar. O Ferdinando da Disney é muito gay. E o seu, Saldanha? – Acho que se pode fazer essa leitura, mas não era minha intenção, minha prioridade. Para mim, a história do Ferdinando remete a uma questão visceral. Você tem de ser honesto com o que você é. Ferdinando é desse jeito, gentil, e vai mudar a vida de todo mundo ao redor dele. Acho que é uma verdade básica. Cada um de nós pode fazer a diferença, mas sendo fiel a si mesmo, à sua verdade – diz.
Para dublar o personagem no original, Saldanha contou com a colaboração de John Cena:
– Olhei para aquele cara e pensei comigo "ele tem força para me arrebentar." Mas o John me disse que era o Ferdinando e ia fazê-lo com todo carinho. Trabalhei também com o Peyton Manning, que faz El Guapo. Peyton é uma lenda nos Estados Unidos, um grande jogador de futebol americano que atuava como quarterback. Ele adorou fazer, se entregou, como o Johnny Cena. E acho que o Ferdinando é isso. Nós somos o que somos, e o mundo será muito melhor se nos aceitarmos assim, com nossas diferenças.