A autorreferência é sempre um exercício delicado na dramaturgia, por uma série de riscos, entre eles o de um ego inflado pela vaidade não se mostrar tão interessante ao público como crê o autor. Um dos casais mais populares e admirados da França, Guillaume Canet e Marion Cotillard toparam a exposição de suas personas reais na comédia Rock’n Roll – Por Trás da Fama, que entra em cartaz hoje. E foram muito bem-sucedidos, como antes dele já havia sido outro francês bamba da atuação nos palcos e nas telas, Guillaume Gallienne, que passou sua vida em revista no agridoce monólogo transformado em bom filme Eu, Mamãe e os Meninos (2013).
Canet é ator e diretor, mas não tem tanta projeção internacional quanto Marion, estrela internacional que já conquistou um Oscar de melhor atriz (por Piaf, um Hino ao Amor), mais uma indicação (com Dois Dias, Uma Noite), e tem no currículo produções aclamadas de diferentes nacionalidades assinadas pelos mais renomados cineastas.
O casal ocupa, portanto, patamares distintos na indústria das celebridades e faz disso razão de graça em Rock’n Roll.
Sob a direção de Canet, a inventiva mistura de realidade e ficção proposta, apresenta todo um elenco que vive a si mesmo, incluindo atores, produtores e músicos bem conhecidos na França – apenas o menino que vive o filho de Canet e Marion não é um dos dois filhos do casal.
O tom sarcástico de Rock’n Roll evidencia que é o registro de ficção que prevalece.
A trama é centrada em Canet. Em meio à rodagem de um filme no qual contracena com uma jovem modelo, de quem faz o papel de pai, ouve desta que já não tem mais o apelo artístico e sexual de outrora. Não é mais um tipo “rock’n roll” ao qual o título faz referência.
Canet, hoje com 44 anos, fica devastado. Passa a observar sua rotina com Marion e o filho como uma prisão que o domesticou. Patético, mais do que ridículo, o processo a que se lança para ressaltar sua vitalidade física e os traços da juventude sublinha a proposta crítica do filme. O culto à aparência, a ciranda de vaidades, os egos transbordantes são satirizados de maneira que avança do previsível ao surpreendente nonsense.
Marion, 42 anos, por sua vez, entra no clima de deboche com inspiração. Enquanto o companheiro cumpre uma insana odisseia rumo ao lado selvagem da fama, promovendo noitadas com amigos e barracos que deliciam a mídia sensacionalista, a atriz se prepara com obstinação para um novo trabalho, com o incensado diretor canadense Xavier Dolan – no longa É Apenas o Fim do Mundo (2016).
Se Canet é movido pela fútil vaidade, Marion representa o rigor profissional. dedicação da atriz é extrema. Para incorporar um sotaque típico de Quebec, região canadense onde o filme será rodado, Marion passar a falar um dialeto que é incompreensível ao marido. É uma divertida brincadeira com os métodos de preparação dramatúrgicos, por vezes pouco ortodoxos, seguidos por atrizes e atores para “incorporar” personagens – mais adiante, ela ensaia para interpretar uma mulher manca e gaga.
Rock’n Roll promove ainda um interessante espelhamento entre as diferenças culturais entre França e Estados Unidos, sobretudo na maneira como a indústria do entretenimento de cada país encara esse culto desmedido à juventude. E o desconcertante desfecho da piada justifica – e ilustra bem – essa comparação.
Rock’n Roll – Por trás da Fama
De Guillaume Canet
Comédia, França, 2017, 122min, 14 anos.
Estreia hoje no Guion Center 3, com sessões às 15h30 e 20h45.