O Toronto International Film Festival (TIFF) é reconhecido por medir a temperatura dos filmes que deverão ser indicados ao Oscar. Quem Quer Ser um Milionário? (2008) e La La Land (2016), entre outros exemplos, foram lançados no evento canadense. A premiação do festival pouco repercute no Brasil. Mas o mercado mundial direciona suas antenas para os filmes lá exibidos, dentro e fora das mostras competitivas. São apenas 12 prêmios distribuídos, sendo que os mais considerados para o mercado são os do público. Neste ano, os espectadores elegeram a comédia dramática Três Anúncios para um Crime, de Martin McDonagh, que tem estreia marcada para fevereiro no Brasil.
Suburbicon – Bem-vindos ao Paraíso, de George Clooney, I, Tonya, de Craig Gillespie, A Guerra dos Sexos, de Valerie Faris e Jonathan Dayton, Me Chame pelo Seu Nome, de Luca Guadagnino, e Mãe!, de Darren Aronofsky (já em cartaz), são exemplos que devem ir para o Oscar. Três outros títulos que puderam ser conferidos revelam-se como fortes candidatos para indicações: Jessica Chastain para melhor atriz por A Grande Jogada (que estreia em fevereiro por aqui), Gary Oldman e sua impressionante interpretação de Churchill em O Destino de uma Nação (estreia em janeiro), e Saoirse Ronan por Lady Bird (ainda sem data). Aliás, uma das sessões mais concorridas do festival foi a de Lady Bird, estreia na direção da atriz Greta Gerwig (de Frances Ha). Pelo entusiasmo da plateia jovem, é possível arriscar que a comédia de baixo orçamento poderá ser um azarão no maior prêmio da indústria.
Toronto também contempla cinematografias periféricas e filmes de diretores estreantes em longas. Essa é uma tendência assumida fortemente nos últimos anos, pois cada vez mais os festivais criam seções para incorporar produções que não encontram espaço no circuito comercial. E o TIFF, naturalmente, não deixa de ser uma plataforma para os filmes canadenses, que têm a singularidade de serem falados em inglês e francês, já que o país possui essa dualidade linguístico-cultural.
O gigantismo do evento em que grandes marcas disputam os espaços publicitários está nos números apontados pelo seu presidente, Piers Handling: 45 milhões de dólares canadenses de orçamento, prêmios que chegam a US$ 250 mil, 3 mil voluntários, 1,3 mil jornalistas credenciados, 12 seções distribuindo a extensa programação, mais de 30 salas de cinema espalhadas pela cidade, algumas situadas no complexo TIFF Bell Light Box. Esse edifício foi construído pela Bell (empresa canadense de telecomunicação e mídia), custou US$ 200 milhões e tem atividades o ano inteiro, como a cinemateca e a biblioteca. Tudo é administrado por uma fundação filantrópica.
O item "voluntários" é um caso à parte. Já é uma tradição no TIFF que eles sejam protagonistas, realizando, a cada ano, um curta-metragem exibido antes das sessões. Nesta edição, foi a aventura a la Indiana Jones, com requintes de produção do original. De jovens estudantes a aposentados, os candidatos vêm até de outros países para trabalhar, bancando suas passagens e hospedagem pela oportunidade de verem filmes (a moeda de troca são os ingressos) e, em alguns casos, pela chance de atenderem às celebridades. Angelina Jolie, Jennifer Lawrence, Lady Gaga e Matt Damon foram alguns nomes que por lá circularam. Todos divulgando novos filmes.
Foram 140 títulos em première mundial, em uma seleção que evoca o caos e como sobreviver a ele, nas palavras de Handling e de Cameron Bailey, diretor artístico do evento. A quantidade de filmes exibidos em 11 dias, que em anos anteriores passou de 400, diminuiu cerca 20% em 2017. A indústria e os profissionais da mídia que cobrem o evento reclamaram que era impossível ver o que era preciso ser visto, mesmo a programação se iniciando às 8h da manhã. Somam-se aos filmes concorrentes e mostras especiais as séries televisivas (Sob Pressão, da TV Globo, estava na programação) e o lançamento de filmes produzidos para a Netflix, que, aliás, anunciou o investimento de US$ 500 milhões no Canadá para os próximos cinco anos. First They Killed my Father, de Angelina Jolie, pôde ser visto na TV na mesma semana em que era exibido no Festival de Toronto. A polêmica envolvendo o serviço de streaming no último Festival de Cannes, em maio passado, não fez o menor eco no Canadá. Também recheavam a programação as masters classes (nomeadas "In conversation with...", com artistas como Helen Mirren, Javier Bardem e Angelina Jolie), as coletivas e as homenagens a diretores como Andrei Tarkovski, Sofia Copolla e Agnès Varda. Por sinal, três estilos de cinema que bem ilustram a diversidade de Toronto.
Diversidade talvez seja o conceito que, ao lado do termo "mercado", se sobressai no evento, que é multicultural por excelência. As políticas de inserção dos imigrantes fazem parte da história do Canadá e, com orgulho por parte dos organizadores do TIFF, ecoam na seleção de filmes que, por sua vez, é resultado de curadorias com participação de mulheres e homens de diferentes etnias.
Com a firme crença de que é necessário contemplar outros olhares e pensar em gênero, é notável a participação feminina nas curadorias, que reverbera nas escolhas de filmes dirigidos por mulheres. Na seção Discovery, por exemplo, julgada pela Fipresci, a federação internacional dos críticos de cinema, de 30 filmes, 18 eram dirigidos por elas. Em que grande festival se pode encontrar um programa no qual mais de 50% dos filmes são dirigidos por mulheres? O fato de Ava, da iraniana Sadaf Foroughi, ter ganho o prêmio da crítica internacional, é explicado por um raciocínio matemático simples: se mais mulheres estão filmando, mais mulheres estão concorrendo e mais mulheres podem ganhar prêmios. Ava, além de tudo, representa a inovação do cinema iraniano, ao mesmo tempo em que não esconde o legado de seus mestres. Traz uma adolescente rebelde como protagonista e muito provavelmente sofra censura no Irã, mas no TIFF ganhou uma janela para o mundo.
É importante ressaltar o papel de mercado do festival, tanto para os lados de Hollywood quanto para os cinemas periféricos. O Brasil teve participação tímida: na seleção oficial, apenas um longa (Mottorrad, de Vicente Amorim) e apenas um curta (Namoro à Distância, de Carolina Markowicz, filmado em Porto Alegre). O longa nem consta do minúsculo catálogo Cinema do Brasil at TIFF, produzido pela agência ApexBrasil, pela Agência Nacional do Cinema (Ancine) e pelos ministérios da Cultura e das Relações Exteriores.
No estande de divulgação do Brasil, além do catálogo, também podiam ser vistos um cartaz de Zama, de Lucrecia Martel, um filme da Argentina com coprodução de sete países, entre estes o Brasil. Pegamos carona em uma grande produção (em todos os sentidos), mas quem brilhou, com razão, foram os argentinos.
Por um lado, parece que falta ao cinema brasileiro mais alinhado à Hollywood, que flerta com o Oscar, a competência narrativa para alcançar um certo nível de excelência. Por outro, quem faz filmes com ambição artística, dirige-se, em vez de Toronto, a Cannes, Berlim, Locarno e Veneza.
Mas há os filmes com claro potencial de mercado (Bingo e Como Nossos Pais, por exemplo) que precisam de vitrine. E cabe aos organismos de fomento, como os citados, melhor representar o Brasil quando a oportunidade se apresenta. Se há um grande balcão de negócios como o de Toronto, compensa investir em sessões privadas, material de divulgação e outras ações de marketing mais agressivo. Nem que seja como fez o Chile, que distribuiu um catálogo de filmes não somente dos que estavam lá, mas de toda a sua produção recente. O Brasil, com seu minúsculo catálogo, passava a mensagem de que não tem nada a vender. Com as políticas públicas para o cinema que se avizinham, talvez no futuro não tenhamos mesmo.