Já nas primeiras cenas, Animais noturnos coloca o espectador diante de um impacto que prosseguirá entrelaçando diferentes sensações no decorrer da trama. Mulheres morbidamente obesas dançam como go-go girls de um bizarro show de horrores. O aparentemente grotesco, porém, surpreende o olhar transformando-se em belo. Isso é o poder da arte. Esse é o cinema de Tom Ford.
Em cartaz nos cinemas desde esta quinta-feira, Animais noturnos é o segundo filme de Ford, o arrojado estilista que se reinventou como cineasta (leia abaixo). Como se viu em Direito de amar (2009), é um talento que impressiona além do esperado apuro estético, observado no domínio de ferramentas que vão da paleta de cores, direção de arte e figurino à composição de enquadramentos e movimentos de câmera, elementos fundamentais da mise-en-scène cinematográfica. Ford é, sobretudo, um competente roteirista e um baita diretor de atores. Faz brilhar com atuações intensas protagonistas (Amy Adams e Jake Gyllenhaal) e coadjuvantes (Michael Shannon e Aaron Taylor-Johnson).
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Amy, que está em cartaz como a linguista que tenta se comunicar com alienígenas em A chegada, tem aqui outra grande personagem. E o ônus por ser tão boa em seu ofício é se conformar em ter mais reconhecimento na temporada de premiações com A chegada – com o qual concorre ao Globo de Ouro e provavelmente será indicada ao Oscar pela sexta vez – do que por sua igualmente vigorosa performance em Animais noturnos.
A exemplo de Direito de amar, Ford tem em um livro a matriz para seu roteiro de Animais noturno: o romance Tony & Susan, de Austin Wright, lançado há pouco no Brasil. E também aqui trabalha sobre uma história que embaralha diferentes tempos narrativos, de forma mais engenhosa. Amy interpreta Susan, bem-sucedida dona de uma galeria de arte que amarga um casamento morno com o marido infiel e cada vez mais distante (Armie Hammer). A rotina opaca de Susan é chacoalhada quando chega em sua casa a prova de um livro escrito por seu ex-marido, Edward (Gyllenhaal), de quem se separou há quase 20 anos.
Edward dedica a obra a Susan e quer sua opinião antes da publicação. A partir daí, acompanhamos a encenação da trama do livro, que descreve a tragédia de um homem, Tony (também Gyllenhaal), que teve sua mulher e filha barbaramente atacadas por marginais quando a a família viajava à noite por uma estrada deserta. Encontrar a gangue liderada por um caipira psicopata (Taylor-Johnson) torna-se a missão de vida de Tony, que conta com ajuda de um policial de poucas palavras e muita obstinação (Shannon). Susan fica perturbada com a leitura. Uma terceira camada narrativa é iluminada lembrando o seu relacionamento com Edward, da apaixonada aproximação ao traumático rompimento.
São personagens que arrastam pelas sombras da infelicidade o peso de decisões que, por pressão, impulso, medo ou a corajosa autoconfiança da juventude, mostram-se irreversíveis a horas tantas da vida. Tentar retomar o passo pode abrir a esperança de redenção da culpa ou o alçapão para mergulhar no precipício. Tom Ford carrega o espectador junto numa densa imersão em que drama, violência e suspense são costurados com incomum habilidade. É justa sua dupla indicação ao Globo de Ouro, em janeiro, como melhor diretor e roteirista – Aaron Taylor-Johnson concorre como ator coadjuvante, e Gyllenhaal poderia ser lembrado pelo bom trabalho que faz. Por chegar ao Brasil quando já se passou a régua nas retrospectivas, Animais noturnos não está sendo lembrado nas listas nacionais de melhores filmes de 2016, lugar que lhe cai muito bem.
Tom Ford, artesão da imagem
– Resolvi fazer um filme porque para mim a moda é efêmera – disse Tom Ford quando apresentou, em 2009, no Festival de Veneza, Direito de amar, drama que simbolizou uma espetacular reviravolta na trajetória de um dos mais reverenciados criadores da moda internacional.
O estilista norte-americano nascido em Austin, no Texas, em 1961, era conhecido até então como o empresário visionário que havia revitalizado grifes como Gucci e Yves St. Laurent e erguido um império milionário com sua própria marca. Como diretor de cinema estreante, Ford mostrou segurança em Direito de amar. Ambientado em 1962, o drama sobre um professor que entra em depressão depois da morte do companheiro valeu ao britânico Colin Firth o prêmio de melhor ator em Veneza e indicações ao Oscar e ao Globo de Ouro.
Engajado militante pelos direitos dos homossexuais, Ford, 55 anos, está casado desde 1986 com o jornalista Richard Buckley. O casal tem um filho, nascido em 2012 e vive entre o rancho da família em Santa Fe ( Novo México), Los Angeles e Londres.
Animais noturnos
De Tom Ford. Com Amy Adams e Jake Gyllenhaal.
Drama/Suspense, 16 anos (Nocturnal animals). EUA, 2016, 117min.
Cotação: Muito bom
Onde ver: Cinemark Barra, Espaço Itaú, GNC Moinhos