Baseado em um dos grandes fenômenos editoriais do momento, o filme A garota no trem leva para a tela o romance homônimo da escritora britânica Paula Hawkins, que se manteve por sete meses na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times – o livro foi publicado no Brasil pela editora Record. O enredo escrito por Erin Cressida Wilson – roteirista da série Vinyl e de filmes como Homens, mulheres e filhos – transporta a ação do cenário original, o subúrbio de Londres, para as cercanias de Nova York a fim de narrar uma intrigante história de crime. Para além de manipular os códigos do thriller de suspense, o corte policialesco da produção em cartaz na Capital serve de pretexto para abordar a violência física e psicológica sofrida cotidianamente por muitas mulheres na surdina.
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A garota no trem é Rachel (Emily Blunt), alcoólatra desempregada e deprimida que diariamente avista do vagão em que viaja a casa em que morava com Tom (Justin Theroux), onde agora o ex-marido vive com a atual esposa, Anna (Rebecca Ferguson), e um bebê. As especulações e fantasias de Rachel a respeito da nova vida de Tom, a quem ainda está emocionalmente ligada, dividem-se com os devaneios envolvendo os jovens e belos vizinhos Megan (Haley Bennett) e Scott (Luke Evans), também observados pela personagem quando passa em sua viagem rotineira sem objetivo e que ela imagina formarem um casal perfeito. Quando a sensual Megan desaparece depois de ter sido vista por Rachel beijando um outro homem no terraço de sua residência, a instável protagonista é apontada pela polícia como suspeita e decide ela própria investigar o caso – mergulhando em um mistério que remexe em seu passado e traz à tona segredos de todos os envolvidos.
A influência hitchcockiana em A garota no trem remete ao clássico Janela indiscreta (1954): o diretor Tate Taylor (do drama Histórias cruzadas) explora de forma dramaticamente eficiente o voyeurismo de Rachel, instigando o espectador a dividir com a anti-heroína o prazer escuso em xeretar a vida dos outros – que na essência é o motivo de as pessoas irem ao cinema. Estrela em ascensão que tem se destacado tanto em comédias como O diabo veste Prada (2006) quanto em títulos mais densos como o drama policial Sicario: terra de ninguém (2015), a atriz inglesa Emily Blunt credencia-se ao Oscar graças a uma interpretação intensa, que empresta verossimilhança a uma figura perturbada e contraditória, capaz de inspirar tanto compaixão quanto aversão. Uma das principais qualidades de A garota no trem é também um de seus defeitos: ainda que presentes com destaque no longa, a complexidade psicológica dos personagens e o detalhamento de suas trajetórias pessoais não alcançam no filme a mesma profundidade do livro, o que pode frustrar muitos dos leitores de Paula Hawkins.