Às vésperas de completar 45 edições, o festival brasileiro de cinema a se realizar há mais tempo ininterruptamente se encerrou no sábado evocando os momentos marcantes de sua trajetória. Palco privilegiado onde a comunidade cinematográfica disseminava, especialmente nas décadas de 1970 e 1980, suas inquietações artísticas e posicionamentos políticos, o Festival de Gramado honrou essa tradição na premiação de sua 44ª edição, destacando os filmes brasileiros e latino-americanos mais relevantes exibidos na Serra entre os dias 26 de agosto e 3 de setembro e dando voz a reivindicações do setor e a manifestações de protesto.
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Frequentador assíduo do evento, de onde sempre volta para casa com pelo menos um prêmio na mala, Domingos Oliveira finalmente levou o Kikito que faltava em sua coleção: o de melhor filme, recebido por BR 716. A ótima produção de viés autobiográfico – que relembra o período em que o apartamento do ator, diretor e dramaturgo na zona sul do Rio reunia a boemia artística carioca em uma espécie de festa permanente – ganhou ainda na disputa de longas brasileiros os troféus de melhor direção, atriz coadjuvante (Glauce Guima) e trilha sonora (para o próprio Domingos, que completa 80 anos no dia 28 deste mês).
Já o tom de engajamento – que marcou os discursos de artistas e técnicos no Palácio dos Festivais durante toda a semana – pontuou também os discursos de agradecimento na noite festiva, iniciada com quase uma hora de atraso. Paulo Tiefenthaler, ganhador do Kikito de melhor ator por O roubo da taça – desbancando o favorito Caio Blat, em memorável atuação como o alter ego de Domingos Oliveira em BR 716 –, bradou no microfone contra o presidente Michel Temer, enquanto o diretor de Rosinha, vencedor do prêmio de melhor curta da competição, subiu acompanhado de sua equipe que carregava faixas com dizeres como "Diretas já" e "Resistir sempre", convocando ainda mais cineastas para engrossar o coro de "Fora Temer".
– Nós aqui presentes nos pronunciamos contra o golpe e a favor da democracia brasileira – disse Gui Campos, recebendo fortes aplausos e algumas vaias.
Comédia a respeito do bizarro episódio verídico sobre o furto do troféu futebolístico Jules Rimet, ocorrido em 1983, O roubo da taça foi contemplado com quatro estatuetas no certame serrano: além de melhor ator, arrebatou roteiro, fotografia e direção de arte. O filme do diretor Caíto Ortiz entra em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira.
Já O silêncio do céu, dirigido por Marco Dutra e protagonizado pela brasileira Carolina Dieckmann e pelo argentino Leonardo Sbaraglia, arrebanhou três distinções – incluindo os prêmios do Júri da Crítica e o Especial do Júri. Mistura de thriller e drama rodada em Montevidéu e quase toda falada em espanhol, a produção tem estreia nacional prevista para o próximo dia 22.
Primeiro longa projetado na concorrência do 44º Festival de Cinema de Gramado, Elis recebeu os troféus de melhor montagem, do Júri Popular e de atriz – merecidamente entregue a Andreia Horta, que brilha na tela encarnando com paixão e entrega a cantora Elis Regina (1945 – 1982) nessa cinebiografia, prevista para estrear no dia 24 de novembro.
– Estou muito feliz de entregar Elis na terra dela, aqui no Sul – comemorou Andreia.
A premiação de longas estrangeiros também foi ponderada, destacando a coprodução paraguaio-argentina Guaraní e o filme de estrada chileno Sin norte com três estatuetas cada um. Sensível relato da viagem de um avô e sua neta adolescente desde o interior do Paraguai até Buenos Aires em busca da mãe da garota, Guaraní, dirigido pelo estreante realizador argentino Luis Zorraquín, levou os Kikitos de melhor filme, roteiro e ator – entregue com justiça ao paraguaio Emilio Barreto, que foi ovacionado pelo público festivaleiro ao abrir no palco uma bandeira de seu país e declarar seu amor a Gramado em guarani, língua em que boa parte do filme é falado.