Espaço de arte alternativo e referência em Porto Alegre para exposições de gravuras, fotografias e artes gráficas, o Museu do Trabalho vive um impasse há décadas. Na verdade, desde seu surgimento, em 1982. Durante todo esse tempo, funciona em cinco galpões no número 230 da Rua dos Andradas, próximo à Usina do Gasômetro, sem um termo que comprove a cessão de uso do espaço. A ausência do documento impede que a instituição, que é gerida com recursos próprios, participe de editais públicos a fim de obter financiamento para uma reforma necessária após a sede ser duramente atingida pela enchente de maio.
Quando foi criado, o Museu do Trabalho deveria fazer parte do amplo projeto que previa transformar a Usina do Gasômetro em um centro cultural. Seu acervo é composto por maquinários que fizeram parte do crescimento da indústria da capital gaúcha no início do século 20, como a gráfica da extinta Livraria do Globo e os teares das Lojas Renner, entre outros. Como a transferência para o Gasômetro nunca aconteceu, o museu foi se acomodando naquela que deveria ser apenas uma sede provisória. Passou a funcionar como espaço de exposições e de oficinas, além de abrigar companhias de teatro e dança.
Coordenador do Museu do Trabalho desde 1991, Hugo Gusmão afirma que os galpões foram cedidos apenas informalmente pela Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), autarquia do governo do Estado que administrava os portos gaúchos. Como a SPH deixou de existir em 2017, quando o governador Eduardo Leite extinguiu uma série de órgãos estaduais em seu primeiro mandato, virando a empresa pública Portos RS, ficou mais difícil obter alguma documentação comprovando a cedência do espaço.
A situação se agravou diante da violência da cheia que invadiu Porto Alegre em maio de 2024, causando danos severos aos galpões e comprometendo ainda mais uma estrutura já desgastada pelo tempo. Há rachaduras no alto das paredes da sala destinada às exposições. Para pleitear recursos públicos a fim de viabilizar uma reforma no local, é necessário que Gusmão obtenha um documento comprovando que a sede na Rua dos Andradas foi cedida ao Museu do Trabalho. Isso, no entanto, tem sido um desafio.
– Tudo o que eu sei durante esses anos todos é que esse lugar é da Superintendência de Portos e Hidrovias. Tem gente que diz que é do município. Ninguém sabe direito, ninguém encontra as escrituras. O município acha que é do Estado, o Estado diz que é do município, e a gente deixou, por muitos anos, que a coisa fosse rolando. Mas agora tudo mudou – diz Hugo. – Qualquer projeto maior que a gente queira fazer, se formos entrar numa Lei Rouanet para captar recursos, o primeiro documento que vão nos pedir é esse. E não temos esse documento.
Arquiteta voluntária que decidiu se envolver com o Museu do Trabalho após o espaço ter sido destruído pela enchente, Sthefânia Dezordi Duhá fez um laudo inicial do prédio para avaliar os danos. Ela interditou o galpão de exposições, mas acredita que as demais salas também precisam de reforma para voltarem a funcionar.
— O galpão de exposições só vai poder voltar a ser usado após uma reforma, inclusive com reforço nas fundações. Os outros galpões também têm rachaduras, só que são fissuras que já existiam antes da enchente. Mas no meu laudo eu coloquei a situação geral do prédio. O museu nunca teve verba para manutenções da forma correta. E é isso que o Hugo não quer mais. Ele não quer mais tapar buraco, ele quer resolver a situação — diz a arquiteta.
Hugo afirma que o Museu do Trabalho não vai conseguir abrir as portas pelo menos até o fim do ano.
— Estamos realocando as oficinas de gravura em outros lugares de Porto Alegre. A sala de exposições está interditada. Esse ano nós não voltamos, isso é certo. É triste para a cidade perder uma espaço como o Museu do Trabalho.
Imbróglio
Por meio de nota, a Portos RS informou que não é proprietária do terreno na Rua dos Andradas. Já a Secretaria Municipal de Administração e Patrimônio (Smap) esclareceu, via Lei de Acesso à Informação, que a área pertence ao município e foi incluída no patrimônio municipal. Uma parte foi incorporada por desapropriação, em 1916, e a outra, por aquisição, em 1919. A pasta também comunicou que há um processo de cessão de uso do local para o Estado do Rio Grande do Sul a pedido da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac). "A formalização da cedência foi solicitada pela Sedac em junho de 2024 para regularizar a situação imobiliária para viabilizar a recuperação do museu, afetado pelas enchentes de maio de 2024", diz a resposta da Smap. Segundo a Smap, o pedido de cessão de uso foi oficializado no dia 25 de junho de 2024 pelo Departamento de Memória e Patrimônio da Sedac.
A Sedac afirma que o Museu do Trabalho não é ligado ao Estado, mas está cadastrado no Sistema Estadual de Museus (SEM-RS), órgão que presta auxílio e orientação às instituições. A pasta também informou que o espaço cultural está em uma área pública sem a devida autorização municipal. Quanto ao pedido de cessão de uso, a Sedac disse que teria havido um mal entendido, sendo que foi dada uma sugestão para que o município regularizasse a situação do local por meio de uma cessão de uso, permitindo ao museu desenvolver projetos via leis de incentivo. "No entanto, o município entendeu que a Sedac estava solicitando cessão de uso e já foi informado, por e-mail, sobre este equívoco", acrescentou o órgão.