Por Bianca Knaak
Doutora em História, professora no Instituto de Artes da UFRGS
Há 170 anos nascia em Porto Alegre o pintor, desenhista e gravador Pedro Weingärtner (1853-1929), desde cedo celebrado o primeiro gaúcho a obter reconhecimento internacional ainda vivo. Decidido a ser artista, aos 24 anos viajou à Alemanha, onde iniciou sua formação com artistas já estabelecidos acadêmica e comercialmente. Falecido em Porto Alegre aos 76 anos, sua vida e sua obra se desenvolveram entre idas e vindas à Europa. Sua biografia e seu currículo artístico se misturam, e os historiadores seguem descobrindo detalhes familiares, conexões sociais e políticas, obras e documentos que materializam a singularidade desse artista que não teve filhos, só se casou aos 57 anos e que alguns parentes achavam um pouco depressivo. O certo é que, entregue ao seu ofício, com venturas e penúrias, ele pôde viver como artista profissional, na medida dos frutos de seu trabalho.
Sua pintura minuciosa atraía atenção e bons contatos: em 1884, por intervenção de seu mestre e professor Bouguereau e do Barão de Itajubá, embaixador do Brasil em Paris, Weingärtner recebeu de Dom Pedro II uma pensão que garantiu sua estadia na Europa por ao menos quatro anos. Lá, além da Alemanha, estudou, morou e trabalhou também em França, Itália e Portugal.
Apenas seis anos após sua morte, o pintor e crítico Angelo Guido organizou uma exposição em sua homenagem na Seção de Belas Artes do Pavilhão Cultural da Exposição do Centenário Farroupilha, reunindo 200 obras. Depois desta, de 1935, pelo menos mais 12 exposições individuais foram realizadas em Porto Alegre, entre 1954 e 2022, e uma na Pinacoteca de São Paulo, em 2009. Prestigiado localmente e com obras espalhadas em coleções públicas e privadas, ainda encontramos trabalhos seus em galerias, leilões, exposições institucionais, aqui e no Exterior. O interesse por ele parece não ter fim. Mas por quê?
Nunca foi a novidade estética nem o alinhamento artístico aos movimentos renovadores de seu tempo o que lhe rendeu admiração e valor. Afinal, produzindo na Europa contemporaneamente às vanguardas e seus expoentes modernos como Picasso, Braque, Modigliani e Soutine, por exemplo, Weingärtner não se impressionou com manifestos e proposições: preferiu manter-se em meios, técnicas e fins, vinculado ao padrão acadêmico com o qual obteve excelência e reconhecimento. Como pintor, seus predicados eram mestria, sutileza, recorrência e duração.
Numa perspectiva sistêmica, pode-se dizer que ele entra para história da arte porque entrou, primeiro, na casa das pessoas, graças a um mercado de arte estável e conservador. O colecionismo, claro, tem papel fundamental nessa consolidação de carreira. Mas também as trocas simbólicas advindas da circulação das obras entre intelectuais, artistas, jornalistas e amigos que, junto com o que chamaríamos hoje de campo artístico, estabelece um circuito legitimador. A personalidade e a presença admiráveis de Weingärtner em diferentes círculos econômicos, políticos e artísticos permitiram-lhe ser o primeiro artista gaúcho (quiçá brasileiro) a ter uma obra representada na grande imprensa alemã (1885), francesa (1898), portuguesa (1902) e italiana (1908), como se pode observar na primorosa exposição apresentada na Casa da Memória Unimed-RS.
Curada por José Francisco Alves e Marco Aurélio Biermann Pinto, ambos pesquisadores da arte gaúcha – no caso de Biermann Pinto, especialmente de Weingärtner –, a exposição PW 170 A: Weingärtner no Campo dos Olhos apresenta mais do que promete. Ao reunir 45 obras originais, generosamente emprestadas por colecionadores, pela Pinacoteca Aldo Locatelli e pela Fundação Vera Chaves Barcelos, o conjunto torna-se revelador, pois 43 obras pertencem a acervos privados, até então desconhecidas do público.
De forma acolhedora, a exposição permite que os visitantes se aproximem das obras garantindo acesso ao virtuoso detalhismo do pintor em suas composições em diferentes momentos de sua trajetória. Além disso, de forma acertada e instrutiva a expografia oferece ampliações, reproduções de obras não disponíveis, uma carta enviada a Eliseu Visconti – pedindo fotos de brigas de galos, para que pudesse pintá-las – estudos, cópias, documentos e variações sobre o mesmo tema que ajudam na compreensão do contexto, das preferências e dos métodos do artista.
Essa mostra é, portanto, exemplar para uma experiência intimista, investigativa e multidimensional, resultado de uma pesquisa extensa e ainda aberta sobre o emblemático Pedro Weingärtner. Trata-se de uma pequena grande exposição para a recente história da arte brasileira, a partir do Rio Grande do Sul.
PW 170 A: Weingärtner no Campo dos Olhos
Curadoria de José Francisco Alves e Marco Aurélio Pinto. Na Casa da Memória Unimed-RS (Rua Santa Terezinha, 263), em Porto Alegre. Visitação até 26/2/2024, de segunda a sexta, das 13h às 18h, e sábado, das 8h às 13h.