Artista plástico que atingiu o sucesso sem ser pop, Siron Franco é considerado um dos maiores do Brasil. Porque nunca cedeu a modismos e raramente se repetiu, evitando ser facilmente identificado a uma simples olhadela, é pouco conhecido do grande público. Parte de seu talento pode ser conferido em uma inédita exposição no salão principal do Farol Santander, em Porto Alegre, com inauguração nesta quarta-feira (16), às 10h.
Armadilha para Capturar Sonhos reúne 63 telas produzidas entre 1973 e 2023, contemplando 50 anos de carreira do pintor, desenhista e escultor nascido em 1947, em Goiás. Todas as pinturas pertencem a Justo Werlang, porto-alegrense que coleciona as obras de Siron Franco há 30 anos. A mostra traz tanto o lado mais luminoso do artista como sua militância contra a ditadura e a destruição da natureza, além de seu triste testemunho do acidente radioativo que desolou Goiânia em 1987. Fica em cartaz até 22 de outubro.
Estão ali obras importantes como Datas, de 1989, da série Curral. A pintura retrata um boi limitado por uma cerca e cujo corpo é marcado por datas que mudaram os rumos da humanidade, como 1964, quando os militares deram o golpe que precedeu os 21 anos de regime militar no Brasil. Segundo o próprio autor, representa a situação opressora a que os brasileiros foram submetidos a partir daquele ano fatídico.
— Foi um curral o que fizeram com a gente na época. A gente estava em um curral. Quem saísse do curral era preso, torturado e por aí vai — diz o artista plástico de 76 anos, que veio a Porto Alegre para a inauguração.
Mais enigmática, Argonauta, de 1973, também faz uma crítica ao governo militar, mas é o tipo de obra cujo significado só se alcança após muito pensar ou depois de uma explicação. Na tela, um homem acorrentado e usando uma roupa de mergulho simboliza a falta de ar de quem não podia se expressar livremente naquela época.
— A pressão quando se mergulha nos fundos do mar é grande. Essa pressão tem relação com o que o artista sentia em 1973. A pequena e tênue mangueira é sua única ligação com a liberdade — define Werlang, um dos responsáveis pela criação da Bienal do Mercosul e colecionador de outros grandes artistas, como Iberê Camargo e Xico Stockinger.
Aos fundos do salão do museu ficam expostas 13 telas que integram a série Rua 57, a mais conhecida de Siron Franco. Em setembro de 1987, uma máquina abandonada de radioterapia foi inadvertidamente levada para uma residência na Rua 57, em um bairro popular no centro de Goiânia, onde foi desmontada para que suas peças fossem vendidas. A imprudência deu início a um rastro de contaminação pelo Césio-137, que, na forma de um pó azul brilhante, afetou centenas de pessoas.
Siron mergulhou no episódio produzindo uma série de pinturas que abordam o acidente por diferentes aspectos, engajamento que define como estratégico: ao denunciar problemas sociais em suas obras, consegue colocá-los novamente em discussão.
— Sempre tive um lado jornalístico. E o trabalho que eu fazia se completava quando chegava a imprensa. Porque tratava de assuntos que não importavam mais. E quando a imprensa chegava na minha exposição, colocava o assunto novamente em pauta. Foi uma estratégia que arrumei — admite.
Curador da exposição, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro define Siron Franco como o artista que rejeitou criar um estilo que pudesse ser reproduzido obra após obra. Como se, a cada trabalho, ele preferisse partir em uma nova busca de si mesmo.
— O Siron é um dos artistas mais importantes do século 20 no Brasil, que conseguiu uma liberdade até de si mesmo. Muitos artistas chegam a um estilo, algo que os identifica pelo que fazem. Mas chega uma hora que esse artista começa a fazer produtos. Já o Siron muda de linguagem sempre que seu trabalho dá certo, sempre que uma série começa a ser procurada, o que deixa todo mundo brabo. Ele teve a liberdade de falar: "Eu não quero ser vítima de mim mesmo". Não conheci pessoa mais livre do que o Siron — diz Pérez-Barreiro.
O artista resume a si mesmo:
— Sou aprendiz, e como aprendiz, não tenho compromisso com o que criei. Vou para todos os caminhos.
Exposição Siron Franco - Armadilha para Capturar Sonhos, da coleção de Justo Werlang
Em cartaz no Farol Santander (Rua Sete de Setembro, 1.028), em Porto Alegre
Inauguração nesta quarta-feira (16), às 10h. Visitação de terça a quarta, das 10h às 19h, e aos domingos e feriados, das 11h às 18h
Ingressos a R$ 17 (inteira) e R$ 8,50 (meia) no site do Farol Santander e na bilheteria do local