Em um universo de 5,5 mil peças, somente 125 obras do acervo do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) são de artistas negros e negras. A partir desta constatação, a instituição vem realizando uma revisão crítica do rol de pinturas, esculturas, cerâmicas, instalações e arte digital. E neste sábado (14), o museu inaugura a exposição Presença Negra no Margs, com foco em artistas afrodescendentes, a partir de um olhar do sul do país. A visitação é de terça a domingo, das 10h às 19h, com entrada gratuita, até 21 de agosto. O ato de abertura no sábado começará às 10h30min.
Com mais de 250 obras de cerca de 70 artistas, entre históricos e atuantes, a mostra é o ponto alto de uma política adotada pela instituição a partir da percepção da pouca representatividade nos quase 70 anos de existência do museu. Com curadoria dos pesquisadores Igor Simões e Izis Abreu e assistência de curadoria de Caroline Ferreira, a exposição busca situar o visitante no universo da arte feita por mulheres e homens negros. Conforme Izis, esses artistas historicamente não tiveram acesso aos espaços:
— Esses artistas sempre existiram, sempre produziram, mas não tinham espaço nas instituições mais tradicionais. A Maria Lídia Magliani, por exemplo, até pouco tempo era a única artista negra no acervo do museu e hoje vem ganhando reconhecimento.
Ciente da baixa representatividade negra em um dos mais importantes museus do Estado, o diretor-curador da instituição, Francisco Dalcol, ressalta que o projeto, com apoio da Secretaria da Cultura do Estado (Sedac, à qual o museu está vinculado) e outras instituições, vai contribuir para mudanças estruturais de longo prazo. A partir de 2019, foram adquiridas, por compra ou doação, 25 obras de artistas negros, todas avaliadas pelo Comitê de Acervos do espaço cultural.
— É um trabalho que não se resume a apenas uma mostra. É algo institucional, para ficar — observa Dalcol.
Presença Negra no Margs conta com obras de 20 coleções do Estado e vão desde uma escultura que data provavelmente do século 15 — a Deusa Nimba, trazida ao Rio Grande do Sul no século 17 e encontrada em Santo Ângelo — a murais grafitados nas Salas Negras do Margs e que serão removidos ao término da exposição. Os três painéis grafitados dialogam com a contemporaneidade, com a arte de rua, e são um convite aos jovens, conforme destaca Izis:
— Uma das intenções da mostra é trazer os jovens periféricos ao museu, convidá-los a fazer presença também, já que esse espaço também pertence a eles.
Os curadores destacam que as obras desmistificam temas com os quais os negros sempre foram representados nas telas, em geral o trabalho, a religiosidade e o corpo. Exemplos disso são as obras de Rommulo Vieira Conceição, artista que trabalha com instalações que remetem à vida cotidiana moderna, não tendo marcas de negritude.
Outro ponto central da mostra, de acordo com Igor Simões, são os autorretratos. Professor de História, Teoria e Crítica da Arte, o curador considera que esse tipo de representação é a consciência do artista enquanto artista.
— Os acervos são repletos de artistas brancos, os temas são relacionados aos brancos, os críticos que ganharam proeminência são brancos. Ou seja, talvez isso que a gente chame de história da arte brasileira seja apenas a história da arte branca brasileira — ressalta.
Central ainda na exposição é o painel de Silvana Rodrigues intitulado Relaxamento Negro. Com negras e negros em atividades de descanso e lazer, a obra questiona o tema mais recorrente dos negros na arte: o trabalho, sempre em funções de esforço ou como serviçal. A imponente fachada do prédio foi envelopada com tapumes e a reprodução da obra de Silvana, sendo um convite à fruição.