Uma viajante do tempo desembarcou na Praça da Alfândega, na Capital, na tarde desta quinta-feira (28). Trouxe consigo oito sacos e, durante duas horas, convidou quem passava por ali para conhecer o conteúdo deles. Dentro, estavam representados os valores civilizatórios afro-brasileiros de religiosidade, corporeidade, musicalidade, memória, ancestralidade, oralidade, energia vital e ludicidade, propostos pela intelectual negra Azoilda Trindade no projeto educativo A Cor da Cultura.
Idealizada e representada pela artista porto-alegrense Mayura Matos, 34 anos, a performance-instalação, batizada de Kuumba: Criatividade, Encontros e Afetos, integrou a programação do 28º Porto Alegre em Cena. Visando a interação com o público, a artista, vivendo a personagem viajante no tempo, convidou quem passava pelo local a adentrar a roda instalada sobre a pegada africana do Percurso Negro e desvendar o conteúdo de um dos sacos, que simbolizava um valor civilizatório.
— A performance vem representando de forma lúdica esses valores, com a proposta de trocar com as pessoas. Quem se aproxima, eu pergunto o nome e, a partir de uma sensibilidade do momento, escolho um dos sacos e retiro o símbolo do valor civilizatório que ele representa — explica Mayura.
O princípio da energia vital — ou axé —, por exemplo, é simbolizado por frutas e água, alertando para a necessidade do cuidado com o corpo. A religiosidade, por um livro de provérbios de matriz africana. Quem recebeu este saco, foi desafiado a abrir aleatoriamente uma das páginas e encarar o provérbio contido nela como uma mensagem ancestral para o tempo presente.
A proposta de desvendar o conteúdo das instigantes sacolas animou o público da Praça da Alfândega. Já a entrega de quem aceitou o convite para interagir com a intervenção emocionou a artista.
— Eu estava muito emocionada porque a performance sou eu. Cada um daqueles saquinhos têm um pouquinho de mim, são uma fotografia de como eu entendo os valores civilizatórios. E, o que aconteceu ali naquelas duas horas, nunca mais vai acontecer. Eu estava muito emocionada e as pessoas sentiram isso e se entregaram, foi muito bonito o que aconteceu — conta a artista, ressaltando o caráter inclusivo da performance, que contou com a tradução da intérprete de libras Joana Amaral.
No próximo domingo (31), às 16h, Mayura repete a dose e leva sua viajante do tempo para a Praça México, no Jardim Leopoldina. A expectativa da artista é de que a vivência da segunda apresentação seja completamente distinta da experienciada nesta quinta.
— Acho que vai ser diferente porque a Praça México tem muitas crianças. O público infantil vai exigir uma nova pegada, um novo tipo de relação, mas estou com a expectativa muito positiva para esses encontros. A criança tem menos pudores que o adulto, então acho que vai ser incrível — afirma Mayura. — O barato dessa performance é justamente isso, a possibilidade de estar sempre se transformando de forma criativa — completa.