A fachada da Universidade do Vale do Taquari (Univates), em Lajeado, parece um canteiro de obras, mas é um ateliê a céu aberto. Ali o artista paulista Eduardo Kobra trabalha, com dois assistentes, em seu maior mural em território gaúcho: Olhares da Educação, com 14 metros de altura por 26 de comprimento.
Vestindo um cinto de segurança que prende seus ombros e pernas a uma plataforma elevatória, ele trabalha suspenso a alguns metros do chão e, com o celular na mão direita e o spray na mão esquerda, dá os últimos retoques na enorme narina direita de Clarice Lispector. De um lado, um assistente finaliza o rosto igualmente imenso de Darcy Ribeiro, do outro, está Paulo Freire, aguardando mais camadas de tinta.
— Fiz dez versões até chegar neste desenho, juntando as três figuras. Os olhos dos três foram alinhados e pintados em preto e branco para criar uma harmonia com as cores do edifício. Como é um close, o olhar é muito importante— diz o artista.
Quando os alunos da Univates retornarem às aulas, em 13 de fevereiro, serão recepcionados pelo trio de personalidades — pintado em cores vivas na fachada do prédio 1 do campus. Foi uma encomenda da instituição em comemoração dos seus 50 anos. A expectativa é de que o trabalho, assinado por um dos muralistas mais famosos do mundo, seja terminado no sábado e transforme-se em ponto turístico da região. Na manhã desta quinta-feira (23), o trabalho estava 60% pronto. Faltava o acabamento, justamente a parte mais delicada. Mesmo assim, já atraía visitantes:
— No fim da tarde, enche de gente que vem aqui só para ver e fazer selfies — conta Kobra, que está com os braços e o celular salpicados de tinta. — Essa aqui não sai nem tomando banho, é esmalte sintético — explica.
Kobra está em Lajeado desde sábado (18), mas dois integrantes da equipe já estavam na cidade cuidando dos primeiros preparativos. Há uma semana, o trio cumpre uma puxada rotina de trabalho, das 8h30min às 20h, com intervalos quando o sol fica muito forte ou a chuva resolve aparecer. No pior dia, o termômetro do campus chegou a marcar 44ºC.
— Aqui é mais quente do que nos Emirados Árabes — diz o artista, que acaba de passar 40 dias em Abu Dahbi. — Mas meu trabalho está sujeito a isso, mesmo.
Na verdade, a obra começou meses antes, com a pesquisa sobre as personalidades e rascunhos. No local, primeiro foi desenhada uma grade com números que auxiliam o artista a pintar nas proporções corretas, depois o artista se dedicou à luz e à sombra e, por fim, passou as camadas de cor. Agora trabalha na finalização.
— Pintar leva em torno de 10 a 15 dias, mas é a parte rápida do trabalho. Tem a criação e tem muita coisa burocrática envolvida, como aluguel de máquinas, pedimos permissão para usar todas as imagens, o que envolve advogados. A coisa toda pode levar seis meses — diz o artista.
Olhares da Educação é o terceiro trabalho de Kobra em território gaúcho. O primeiro foi Muro da Memória, realizado em 2010 nos fundos da Biblioteca Pública Municipal Henrique Bastide, em Santa Maria. A obra mostra um panorama histórico da cidade, mas sofreu tantas rachaduras que o próprio artista não sabe se ainda existe. O segundo foi um retrato do poeta Mario Quintana pintado há um ano no Colégio Farroupilha, no bairro Três Figueiras, em Porto Alegre, com 14 x 14 metros.
Com mais de 500 murais pintados nos cinco continentes, Kobra conta que só no ano passado recebeu convites para pintar em 40 países (aceitou 10 deles). Em 2018, passou uma temporada em Nova York, onde pintou 19 murais e foi eleito uma das personalidades do ano na cidade pela revista Time Out.
— Trabalho desde os 12 ou 13 anos, mas nunca imaginei que pudesse ter esse alcance global. Pintei no Japão, nos Emirados Árabes, Áustria, Noruega, Polônia...
Conhecido por retratar personalidades como David Bowie, Nelson Mandela, Anne Frank e outros, o artista fez questão de escolher nomes ligados à educação para o trabalho em Lajeado. Um dos nomes, Paulo Freire, foi chamado de "energúmeno" pelo presidente Jair Bolsonaro no mês passado.
— O Paulo Freire ajudou milhares de pessoas a deixar o analfabetismo. É um fato e nada pode apagar isso — diz o artista, que escolheu as personalidades junto com a Univates. — Muitas outras pessoas poderiam ser retratadas. Por que essas? É simbólico. São pessoas que lutaram pela educação. Todos os murais que eu faço são portais para que as novas gerações passem a buscar conhecer essas pessoas — acrescenta.
Referindo-se à atitude do governo com relação a artistas, afirma que não sente tanta diferença:
— Venho da periferia. Mudou pouca coisa do lugar onde eu nasci para hoje. Continuo vendo a história se repetindo, artistas passando por dificuldades. A arte precisa de apoio, de incentivo.
O Mural
- Duas semanas de trabalho in loco;
- 14 metros de altura por 26 de comprimentos;
- cerca de 150 latas de tinta acrílica;
- cerca de 30 galões de esmalte sintético.