Após alcançar projeção com clipes gravados para o site La Blogothèque e realizar filmes para bandas como R.E.M e Arcade Fire, o cineasta francês Vincent Moon se jogou no mundo. Com uma câmera e um computador, gravou músicas típicas de diversos países. Há três anos e meio, uniu-se à escritora, fotógrafa e cineasta francesa Priscilla Telmon para iniciar o projeto Híbridos, os Espíritos do Brasil. Neste período, eles documentaram rituais religiosos em mais de 20 Estados brasileiros, de cerimônias indígenas no Acre, passando por novas formas de umbanda em Minas Gerais até festas católicas como o Círio de Nazaré. Já são mais de cem filmes disponibilizados no site hibridos.cc. Um longa-metragem será lançado em fevereiro. Neste domingo (10/12), a convite da Aliança Francesa, os dois estarão em Porto Alegre para mostrar seu trabalho de outra forma, que chamam de "cinema ao vivo". Trata-se de uma performance em que Moon mistura trechos de filmes enquanto Priscilla faz intervenções com voz e instrumentos, criando uma experiência artística semelhante a um ritual religioso.
Em entrevista a ZH, Moon dá detalhes da apresentação, fala sobre seu fascínio pela diversidade religiosa do Brasil e como a linguagem cinematográfica pode ajudar as pessoas a encontrar a espiritualidade:
Como será a performance em Porto Alegre?
É a parte mais experimental e musical do projeto geral Híbridos, que é uma pesquisa sobre as formas de cinema hoje e um grande arquivo aberto sobre a espiritualidade brasileira, mais poético do que antropológico. Combinamos várias formas de cinema, um website, instalações e performance ao vivo, como a que faremos em Porto Alegre. A performance é uma imagem em construção, um remix, a partir do material que gravamos pelo Brasil. Misturo imagens e sons de cerca de 60 a 70 filmes, criando um filme feito no momento, e a Priscilla adiciona instrumentos, voz e vários tipos efeitos. É uma mistura entre técnicas de DJ e pesquisa etnográfica que chamamos de "cinema ao vivo".
Como foi o processo de gravar todo esse material?
Viajamos por um ano e meio, tendo uma base no Rio, para onde voltávamos por uns dias para descansar. Foram quase dois anos de edição para mais de cem filmes.
Vocês contaram com o patrocínio do programa Rumos, do Itaú Cultural, certo?
Sim, conseguimos um pequeno patrocínio do Rumos no final, apenas para fazer o website, o que foi legal, mas realmente foi muito pouco em comparação com tudo. É a única coisa que tentamos e conseguimos.
Por que fizeram questão de manter o projeto independente?
Quando iniciamos, há 3 anos e meio atrás, não tínhamos ideia de como íamos fazer, quais eram as formas do projeto, simplesmente começamos a viajar, encontrar pessoas e gravar, experimentar, e pouco a pouco essas formas se criaram, para mim isso é a maneira de fazer cinema. Este projeto existe na improvisação, nessa criação que não tem nada a ver com uma fórmula, com coisas escritas. É um projeto muito livre e aberto, com licença creative commons, ou seja, todo mundo pode usar o material, não tem direitos autorais. Aqui no Brasil fomos a alguns festivais de cinema, mas está tudo ficando muito chato. Há um problema. Precisamos experimentar muito mais com as formas de fazer cinema. Por isso que produzimos tudo de maneira DIY (do it yourself ou, em português, faça você mesmo). Foi um trabalho doido, muito difícil, mas foi a única maneira possível de fazer isso com liberdade.
Você faz uma relação entre o sincretismo no Brasil e a mistura de técnicas de captação e exibição do que você chama de trans-cinema. Pode comentar isso?
Nosso desejo é criar pontes entre várias formas artísticas, de cinema, de arte, de música. Em Porto Alegre vamos expressar esse desejo de criar um novo tipo de ritual através dos rituais. É tentar chamar os espíritos de uma outra forma, com técnicas modernas. Uma imagem tem uma energia muito forte, especialmente hoje que a nossa sociedade está cheia demais de imagens. O que estamos fazendo com essas imagens? Podemos procurar onde a espiritualidade se encontra hoje dentro da nossa maneira de fazer arte.
Por que escolheram o Brasil para este projeto?
Depois de pesquisar música ao redor do mundo, quis encontrar o que chamamos de música sagrada, que é o mesmo que dizer "música original", porque a música vem do sagrado, dessa ligação com o invisível, é feita para harmonizar a nossa materialidade com a nossa espiritualidade. Ser francês hoje em dia significa pertencer a uma cultura pouco espiritual. O grande trauma que estamos atravessando nesta geração tem muito a ver com a falta de rituais dentro de uma sociedade que está mais materialista. Quis explorar o lugar mais rico espiritualmente no mundo, que é o Brasil, e descobrir como o Brasil pode ajudar todo o mundo a reintroduzir o sagrado na vida.
Pode dar um exemplo?
No Santo Daime, as pessoas não dizem que estão criando as músicas, e sim recebendo as músicas. É uma coisa muito linda para entender de onde vem a inspiração ou a consciência. Você acha que está dentro ou fora de você?
Filmaram no RS também?
Sim, fizemos um filme de um pequeno ritual na Teia da Lua e outro no templo positivista. Vamos lançar os dois na próxima semana.
Quando trabalhava para o site La Blogothèque, você convidava artistas alternativos para tocar em cenários inusitados, como um elevador. Há semelhanças entre esse trabalho e Híbridos?
É a mesma coisa. Quando eu estava gravando bandas na rua, não queria gravar pessoas famosas, mas músicas, pesquisar algo do invisível. Odeio tudo que tem a ver com fama, é uma doença da nossa sociedade. O que me interessa é mente, coração, vibração. A música sagrada mexe com tudo isso.
Você busca uma conexão mais profunda com as pessoas?
Claro, tem a ver com sair de uma posição superior de "eu sou o artista, vou te dar uma coisa, você será o espectador". O que aprendemos gravando os rituais é que isso não existe neles. Na época da Blogothèque, meu desejo foi quebrar essas distâncias com o artista, colocar ele na rua, onde ele não está mais no palco, mais alto que os outros, e agora, sim, podemos falar. É o mesmo projeto desde lá.
Qual será o próximo projeto?
Em fevereiro vamos para o Rajastão (Índia) filmar um grupo Sufi e depois convidá-lo a tocar conosco. Também para perguntar onde estão os espíritos e como podemos nos ligar de novo e melhor.
Híbridos, Os Espíritos do Brasil – uma pesquisa poética e cinematográfica sobre a espiritualidade brasileira
- Domingo, a partir das 18h.
- Vila Flores (Rua São Carlos, 752).
- Programação:
18h às 19h30min – Apresentação do projeto com exibição de curtas, site e abertura para perguntas.
- 20h30min às 21h45min – Performance em que Vincent Moon edita um filme ao vivo enquanto Priscilla Telmon faz improvisos musicais com voz e instrumentos.
- Saiba mais sobre o projeto no site hibridos.cc.