O curador da exposição Queermuseu, Gaudêncio Fidelis, depôs na tarde de quinta-feira (23) na CPI dos Maus-tratos no Senado, instaurada com a finalidade de investigar irregularidades e crimes relacionados a maus-tratos a crianças e adolescentes. A convocação do curador foi motivada por acusações de pedofilia e zoofilia a obras presentes na mostra. Também prestou depoimento Luiz Camillo Osorio, curador da exposição do MAM (Museu de Arte Moderna) 35º Panorama da Arte Brasileira - Brasil por Multiplicação.
Apenas quatro dos sete integrantes da comissão estavam presentes: o presidente, Magno Malta (PR-ES), o relator, José Medeiros (Pode-MT), e os senadores Marta Suplicy (PMDB-SP) e Humberto Costa (PT-PE). Marta chegou a pedir desculpas aos curadores e se disse constrangida pelo fato de eles terem sido obrigados a prestar esclarecimentos. Inicialmente, a CPI aprovou a condução coercitiva dos curadores, mas os depoimentos acabaram sendo feitos por meio de convocação, na qual a participação ainda é obrigatória, mas o depoente não é levado.
Antes de os depoimentos terem início, houve bate-boca entre os senadores. Magno Malta criticou Marta pedindo que ela encerrasse sua fala e dizendo que ela não costuma comparecer à CPI. Em resposta, a senadora disse que deixaria a comissão pela forma autoritária como o presidente vem conduzindo os trabalhos.
Em sua fala à CPI, Fidelis considerou as acusações "difamatórias" e ressaltou que foram dirigidas a apenas cinco obras de um total de 263 presentes no Santander Cultural, produzidas por 85 artistas.
– A Queermuseu foi criada com a perspectiva de abrir um diálogo e um debate sobre uma série de questões que consideramos fundamentais para a sociedade brasileira: questões de gênero, diferença, incluindo a diferença na forma artística, e também questões relacionadas a desdobramentos que se entrecruzam com essas questões, como racismo, sexismo e outros tipos de explorações que envolvem os direitos humanos – declarou.
Fidelis lamentou que o cancelamento da mostra pelo Santander, devido a protestos, tenha impedido que o debate fosse conduzido com acesso ao espaço expositivo e ao catálogo:
– Essa exposição foi criada com uma disposição de abrir uma plataforma de diálogo e debate, que foi encerrada abrupta e autoritariamente pelo Santander. O que nos coloca um dilema até então não visto: temos que discutir sobre uma exposição que não pode ser vista e constatada. Como falamos de uma exposição que não pode ser vista e cujo catálogo se esgotou naquela primeira noite?
O curador afirmou que outras exposições organizadas por eles também despertaram polêmica, mas de outra natureza: por meio de um debate do ponto de vista artístico. Um exemplo citado foi o que chamou de "a primeira exposição feminista do Museu de Arte do Rio Grande do Sul", em referência a O Museu Sensível, apresentada em 2011.
Sobre o encerramento de Queermuseu, que classificou como uma "tragédia", Fidelis acredita que passou a ser fundamental para a sociedade não apenas o mérito da exposição, mas questões relativas aos temas da censura e da liberdade de expressão.
Um grupo de artistas e representantes da cena cultural de Brasília acompanhou a reunião no Senado e exibiu cartazes com dizeres como "visitem museus" e "a arte é libertadora". Ameaçados de serem expulsos da sala caso fizessem protestos ruidosos, ficaram em silêncio a maior parte do tempo.
Houve ainda momentos de constrangimentos envolvendo o relator da CPI, senador José Medeiros (Podemos-MS), e o presidente da comissão, Magno Malta (PR-ES). Em um deles, Medeiros questionou Fidélis sobre uma obra que não estava na exposição. Depois, quis saber se crianças que visitavam a mostra eram incentivadas a "se tocar sexualmente" com base na obra O eu e o tu, de Lygia Clark. Após ouvir a negativa de Fidélis, se disse aliviado.
– O senhor me tira uma laje da cabeça ao dizer que não tinha criança se tocando sexualmente na exposição – disse Medeiros.
*Com agências