Para muitos pintores, cada pincelada em um quadro é uma nova decisão. Nick Rands prefere tomar todas as decisões sobre um trabalho antes de começá-lo. Por isso, cria sistemas de regras que depois só precisa seguir. Assim constrói obras de arte que escondem uma trama de muitos cálculos, como a intervenção Horizontes Terrestres, feita nas paredes do Espaço Cultural ESPM-Sul.
Durante cinco dias, Rands cumpriu expedientes de oito horas pintando faixas multicoloridas de barro nas paredes da galeria. Somadas, as faixas atingem 50 metros de comprimento. A obra exibe vários tons e texturas porque utiliza barro recolhido em mais de 80 lugares diferentes durante uma viagem empreendida por Rands em 2011. Para estabelecer o roteiro e os pontos de coleta da terra, o artista desenhou um quadrado sobre o mapa do Rio Grande do Sul e depois percorreu suas linhas. Desde então, as amostras deram origem a diferentes trabalhos, sendo o primeiro deles o projeto Cadernos de Viagem da 8º Bienal do Mercosul, em 2011.
– Por enquanto, estou achando que esse é o melhor trabalho. Fiz em função do espaço, que é muito interessante, com curvas e um cilindro no centro – relata Rands.
Em Horizontes Terrestres, o material antigo é aplicado segundo um novo sistema. Rands pintou com a mão, na altura do seu olhar, e o tamanho da área pintada com cada terra foi determinado pela distância entre os locais onde as amostras foram coletadas. Após espalhar o barro na parede, fez um risco com uma vareta e o preencheu com outra cor de barro – coletado em uma das extremidades do quadrado.
– É tudo cálculo. Fiz muitos testes porque, trabalhando direto na parede, com prazo, é preciso saber antes quanto tempo vai levar. Fiz três ou quatro versões de teste na minha casa. Se eu errasse, teria que lavar a parede e começar tudo de novo.
Diante das cores e texturas, é difícil não imaginar os vários locais de origem daquelas terras. Mas Rands não divulga os endereços correspondentes. Nesta obra, o barro é tinta.
– O lugar de onde vem a terra não tem muita importância. É a matéria, a textura, a cor, até o cheiro quando tu molhas... Depois da chuva, há um perfume que sai do barro – diz Nick, que se impressiona com as diferenças entre cada amostra: – Tu tentas imitar uma cor e não tem como.
O barro é a matéria-prima de muitas pinturas, esculturas e instalações de Rands. O próprio artista relaciona Horizontes Terrestres com Eye Levels (2000), em que carimbou suas digitais com lama em uma linha contínua nas paredes da Galeria Iberê Camargo, na Usina do Gasômetro. O artista incorporou o material em suas obras depois de uma experiência como professor em Botsuana, no sul da África, onde observou a proximidade das pessoas com a terra e viu como a lama dos leitos de rios era usada para construir casas e utensílios domésticos. No texto A Criação de Territórios nas Pinturas de Nick Rands (2001), a crítica Icleia Borsa Cattani escreve que as amostras de barro identificam espaços atravessados tal como "recordações de viagens com os quais o artista realiza, às vezes, inclusive, espécies de 'diários'".
A viagem não faz apenas parte do processo criativo de Rands como está entranhada no seu cotidiano. Nascido na Inglaterra, ele se divide entre a França, Porto Alegre e Garibaldi. Desde 1998, passa temporadas na capital gaúcha, onde viveu com a mulher, a artista plástica gaúcha Maria Lucia Cattani (1958 – 2015).
Veja galeria de fotos da intervenção:
Horizontes Terrestres
De Nick Rands
Até 29 de abril, no Espaço Cultural ESPM-Sul (Rua Guilherme Schell, 268). Visitação de segunda a sexta-feira, das 8h às 22h, e sábado, das 9h às 15h.
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