Não foram só estrelas do esporte como Usain Bolt, Michael Phelps e Simone Biles que brilharam nas últimas semanas no Rio por conta da Olimpíada. Uma obra de arte também ganhou muita visibilidade em meio às competições: Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral. O quadro é a grande estrela de um dos principais eventos paralelos aos Jogos, a exposição A cor do Brasil, em cartaz até 15 de janeiro de 2017, no Museu de Arte do Rio (MAR). Considerada um dos maiores ícones do modernismo brasileiro, Abaporu foi comprada pelo colecionador argentino Eduardo Costantini por US$ 1,4 milhão em 1995 e hoje está no Museu de Arte Latino-Americano de Buenos Aires (Malba).
– O Abaporu chama muito para a exposição. Mas a pessoa chega no museu e tem a oportunidade de conferir uma verdadeira história da arte brasileira – afirma Tarsilinha do Amaral, sobrinha-neta da artista e responsável pelo seu acervo.
Leia mais:
Margs inaugura exposição individual da artista Claudia Hamerski
Artista alemão pinta mural no centro histórico de Porto Alegre
Bienal do Mercosul 2017: o que deve mudar na opinião dos especialistas
A obra, bem como Antropofagia (1929), entretanto, permanece exposta no MAR apenas até terça-feira da semana que vem.
– São obras muito importantes nos museus. Quando se empresta uma delas, fica uma lacuna muito grande. Muitas pessoas vão até a Pinacoteca de São Paulo por causa do Antropofagia, e muitas vão ao Malba só para ver o Abaporu – diz Tarsilinha.
ZH conversou com a sobrinha-neta de Tarsila sobre a mostra no Rio, sua tese sobre Abaporu, o filme internacional que está sendo produzido sobre a vida da artista e os projetos envolvendo as obras da tia-avó, que ganham duas exposições nos Estados Unidos em outubro de 2017, no Art Institute of Chicago, e em fevereiro de 2018, no MoMA, em Nova York. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.
Qual é a sensação de ver o Abaporu no Rio de Janeiro durante a Olimpíada, em um momento tão importante para o país?
É sempre uma emoção. Tive o privilégio de vê-lo na casa da minha tia-avó. Eu era muito pequena, tenho uma vaga lembrança. É uma oportunidade muito importante para o Abaporu, para a minha tia e para a arte brasileira. A Olimpíada é um evento que conta com gente do mundo inteiro, tem muita gente indo lá, além do público brasileiro e carioca, que fazia tempo que não via a obra. Foi muito especial.
No ano passado, você lançou o livro Abaporu, uma obra de amor, no qual defende a tese de que a obra se trata de um autorretrato. Como foi que você chegou a essa conclusão?
Estudo a obra da Tarsila, o que faz eu refletir muito sobre os trabalhos dela. Tem também o aspecto familiar, de saber detalhes da vida pessoal da minha tia. Assim, pude ter um olhar diferenciado sobre a obra. Sobre a tese, grandes historiadores e grandes críticos de arte não tinham pensado nessa possibilidade. Um dia eu estava conversando com uma amiga sobre Abaporu, e ela comentou: "E se colocássemos um espelho inclinado". Na hora em que ela falou isso, as coisas ficaram muito claras: a Tarsila fez um autorretrato em frente a um espelho inclinado. O seu pé está em primeiro plano, fica grande, maior, e a cabeça fica atrás, num plano diferente, e muito pequena. Quando eu me coloquei naquela posição, na frente de um espelho inclinado, falei: "Nossa, é isso mesmo". Aí, claro, fui atrás das evidências. Minha madrinha lembra perfeitamente da casa onde a Tarsila pintou Abaporu, ela nasceu nessa casa (em Capivari, SP). Perguntei para minha tia: "Você lembra de algum espelho no ateliê da Tarsila?". Ela pensou e falou: "No ateliê, não. Mas, no corredor que dava para o local, tinha um grande espelho, apoiado no chão, inclinado". As coisas foram fluindo muito. Claro, depois que ela deu a obra para o Oswald de Andrade (com quem Tarsila foi casada), ele fez a fama do quadro. Foi ele quem divulgou Abaporu, fez o movimento antropofágico em torno da obra. O quadro teve uma outra dimensão graças à interpretação dele.
Como foi a reação ao livro?
Eu tenho tido uma reciprocidade muito grande. Quando eu falo um pouco sobre a tese, muda a visão de todo mundo que via a obra antes de uma outra maneira. Alguns não concordam. Mas muitos críticos de arte já falaram que é realmente possível isso que eu defendo.
Qual é a sua opinião sobre o fato de a obra estar em Buenos Aires, no Malba?
Muita gente critica, ainda mais por estar na Argentina. Seria muito bacana ver essa obra aqui, mas foi muito importante, tanto para a minha tia, quanto para a arte brasileira, Abaporu ter ido para Buenos Aires. A arte brasileira como um todo ganhou uma repercussão muito grande internacionalmente. E isso graças a essa venda. É uma obra que está num museu belíssimo, com grande destaque. Eles fazem uma divulgação muito boa, com publicações muito cuidadosas. E divulgam a obra também mandando-a para outros países.
Você acha que falta vontade política para trazer o Abaporu para cá? Como você analisa a ideia da criação de uma sucursal do Malba no Brasil proposta por Eduardo Costantini?
Não há falta de vontade dos políticos. Talvez não tenha sido a hora correta. Para a criação da sucursal, é preciso gastar um dinheirão, vai haver críticas. Eu acho que vai ter que ter alguém que compre essa ideia e não se importe com as críticas.
Quais são os próximos projetos envolvendo Tarsila?
Uma coisa muito bacana que vai acontecer no ano que vem é a primeira individual da Tarsila nos Estados Unidos. Essa exposição passará primeiro por Chicago, a partir de 8 outubro de 2017, e, em fevereiro de 2018, vai para o MoMA, em Nova York. Estou muito feliz com isso. A minha tia precisa ser mais conhecida nos EUA, acho que as pessoas vão gostar muito da obra dela. Também estou fazendo um filme sobre a Tarsila. É um longa internacional, uma coprodução Brasil-Inglaterra. Estou trabalhando com a produtora Bedlam, a mesma de O Discurso do Rei (grande vencedor do Oscar 2011). Estou muito orgulhosa desse projeto. Se der tudo certo, a gente vai lançar o filme em 2018.