A 10ª e mais recente edição da Bienal do Mercosul, em 2015, foi particularmente turbulenta: o orçamento de R$ 7,7 milhões foi pouco mais da metade do que vinha sendo praticado, a lista de artistas convidados foi alterada perto do início e curadores assistentes pediram desligamento por discordarem da condução.
Em comunicado à imprensa no início desta semana, a Fundação Bienal do Mercosul destacou que o evento deve passar por um "profundo processo de crítica e reinvenção institucional" até a 11ª edição, em 2017, mas não revelou o que virá. Em depoimento à reportagem, o presidente do Conselho, Renato Malcon, afirma:
– O modelo tradicional das bienais, concebido com o formato de uma grande mostra de arte, extremamente cara e complexa, já não atende aos objetivos para os quais foi originalmente concebido e vem sendo questionado há muito tempo. Em todo o mundo e mesmo no Brasil esses questionamentos têm dado origem a debates na classe artística e em diversos segmentos da sociedade que se interessam e se dedicam à realização deste tipo de mobilização.
Justo Werlang, membro do Conselho, exemplifica o caráter renovador do evento citando exemplos de mudanças do passado, como a profissionalização de processos na 4ª edição e a alteração do formato do evento na 6ª:
– Uma das principais características das bienais é exatamente estar, de dois em dois anos, num processo de mudança. Se este é um de seus grandes desafios para sobreviver, é também um de seus grandes ativos. A Fundação Bienal sobrevive porque se reinventa a cada tanto. Isso está em seu DNA.
O debate sobre a missão de uma bienal de artes é antigo, como se sabe. Para o crítico e professor Luiz Camillo Osorio, no entanto, qualquer rumo da megaexposição de Porto Alegre deveria levar em conta suas especificidades:
– Nos primeiros anos, a Bienal do Mercosul teve um projeto curatorial e educativo muito bem delineado, garantindo certa extensão para além do período expositivo por conta desse trabalho educativo. Isso tirou a conotação de apenas um evento para construir uma articulação pedagógica, cultural e política na região, estabelecendo um diálogo com o continente.
Para outros especialistas, há que se celebrar a mera continuidade da Bienal do Mercosul, uma vez que boatos – desmentidos pela Fundação Bienal – davam conta de que a 10ª edição do evento teria sido a última da história. O professor do Instituto de Artes da UFRGS Eduardo Veras observa:
– Não tenho ideia sobre o que o futuro reserva à Bienal do Mercosul ou à Fundação Bienal. Espero que não acabem. Neste momento, talvez isso já seja muito. Gente melhor informada do que eu diz que a próxima Bienal vai repetir a última. Espero que não. Aquela Bienal foi, a meu ver, um equívoco e um constrangimento, tanto em termos curatoriais quanto expográficos.
O dilema da bienal na crise do Mercosul
Então, que caminho seguir? Será o caso de rever o modelo de uma megaexposição de dois meses em direção a um formato mais continuado? O superintendente cultural da Fundação Iberê Camargo, Fábio Coutinho, que exerceu cargos executivos da 4ª à 8ª Bienal do Mercosul, pontua:
– Não adianta, uma bienal ocorre de dois em dois anos, como diz o nome. Se você sai desse modelo, talvez não seja mais uma bienal. Há sempre um novo curador, uma diretoria. Logo, ela começa do zero e apresenta resultados em dois anos. O que uma bienal deve ter são desdobramentos do projeto apresentado, o que inclui itinerâncias, projetos educativos, seminários.
Enquanto os blocos geográficos são repensados politicamente, será que o "Mercosul" do nome da Bienal ainda faz sentido nesse contexto?
– Sim e não – responde Bianca Knaak, professora do Instituto de Artes da UFRGS. – Como instrumento cultural desse bloco econômico, não. Aliás nunca foi. Mas como nome da segunda bienal do país, sim. Alguns a identificam com Porto Alegre, como a Bienal de Porto Alegre. Mas, assim como a Bienal de São Paulo, a nossa bienal também nunca foi local. Ela é uma bienal internacional "em" Porto Alegre. E deve continuar assim.
Não deixa de ser irônico que o evento que agora repensa o seu futuro tenha como uma de suas missões ajudar a refletir sobre o tempo presente e o passado. A curadora, crítica e pesquisadora Gabriela Motta aponta:
– "Bienal" é em si um modelo de exposição. Acho que as exposições mais interessantes, do tipo "mega" ou não, são aquelas que conseguem apresentar/propor hipóteses no campo da arte, sejam essas hipóteses conceituais, históricas, narrativas. E que nos façam ter ideias também sobre o tempo em que vivemos, o que lhe é próprio e o que é apenas repetição.
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Leia, a seguir, a íntegra das entrevistas realizadas por e-mail:
Renato Malcon, presidente do Conselho de Administração da Fundação Bienal do Mercosul
O comunicado à imprensa fala em um "profundo processo de crítica e reinvenção institucional" por parte da Fundação Bienal. O que exatamente a Fundação Bienal tem em mente ao expressar isso?
O modelo tradicional das bienais, concebido com o formato de uma grande mostra de arte, extremamente cara e complexa, já não atende os objetivos para os quais foi originalmente concebido e vem sendo questionado há muito tempo. Em todo o mundo e mesmo no Brasil estes questionamentos têm dado origem a debates na classe artística e em diversos segmentos da sociedade que se interessam e se dedicam à realização deste tipo de mobilização.
O que já se pode adiantar sobre as mudanças que deverão ocorrer na Bienal do Mercosul em 2017?
O Conselho da Fundação Bienal do Mercosul tem debatido, nos últimos anos, as inúmeras alternativas que deveria trilhar para encontrar outros formatos que atendam às expectativas de todos os públicos envolvidos e cumpra com sua missão principal, que é dar acessibilidade ao maior contingente possível de pessoas que possam se beneficiar com seus conteúdos e contribuir de forma concreta no desenvolvimento da cultura e do hábito de apreciar arte contemporânea. Embora procuremos atender a todos os públicos, a Bienal do Mercosul tem se esforçado sobremaneira em atingir o público jovem, o que resultou em números impressionantes de visitação deste público .
O orçamento da bienal de 2015 foi de R$ 7,7 milhões, pouco mais da metade do valor da edição anterior. Qual é a previsão de orçamento para a bienal de 2017? Quais segmentos serão cortados ou reduzidos?
Historicamente, os orçamentos das bienais vêm diminuindo, o que não representa obrigatoriamente que existam perdas por isto, uma vez que uma ótima mostra pode ser feita com orçamentos mais reduzidos, dependendo de sua qualidade, especialmente do projeto curatorial e dos objetivos que se quer alcançar. O estudo e o debate que estamos realizando no Conselho da Fundação é extremamente amplo e necessário, envolvendo inclusive participantes de outros países, uma vez que este tipo de trabalho tem ocorrido em outras bienais como forma de evolução natural e necessária.
Falava-se que a edição de 2015 poderia ter sido a última da história da Bienal do Mercosul. Como analisa esse boato?
Muita especulação tem ocorrido, assim como houve notícias, antes da realização da última bienal, dizendo que a mostra não se realizaria. De fato, houve um momento muito difícil, que colocou em risco a realização da última edição. Isto ocorreu também na 3ª bienal especialmente, mas tem sido uma constante.
Realizar uma Bienal sempre é um desafio, faço parte do Conselho da Fundação desde a primeira edição e posso garantir que foram muitas as dificuldades e crises que enfrentamos.
Esta crise econômica e política sem precedentes ainda não foi afastada e compromete qualquer planejamento em qualquer atividade em nosso país. De qualquer forma, certamente a Fundação Bienal do Mercosul continuará existindo e está trabalhando de forma efetiva para encontrar uma formatação que possa atender os desafios dos novos tempos.
Qualquer outra resposta depende de esperarmos que o trabalho no Conselho evolua, e ele está em pleno desenvolvimento
Como o senhor vê a disposição do empresariado gaúcho e do resto do país em seguir investindo na Bienal do Mercosul? A crise econômica no país é o único motivo para as dificuldades da bienal?
O empresariado gaúcho tem dado todo o apoio à Fundação Bienal do Mercosul e na última Bienal a captação foi em números muito mais expressivos do que pensávamos inicialmente, apesar de ter ocorrido em plena crise. As dificuldades econômicas são reais e estão aí para todos, mas a Fundação está fazendo uma reflexão profunda sobre o modelo de Bienal mais adequado aos novos tempos e desafios.
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Justo Werlang, membro do Conselho de Administração da Fundação Bienal do Mercosul
Em que sentido a Bienal do Mercosul deve mudar?
Uma das principais características das bienais é exatamente estar, de dois em dois anos, num processo de mudança. Se este é um de seus grandes desafios para sobreviver, é também um de seus grandes ativos. A Fundação Bienal sobrevive porque se reinventa a cada tanto, isto está em seu DNA, digamos assim.
Podemos destacar alguns momentos em que a instituição realizou grandes mudanças, como em sua 4ª edição, quando promoveu uma grande profissionalização em seus processos. Outro exemplo: na 6ª edição, alteramos substancialmente o formato do evento. E, por certo, a cada edição o projeto curatorial trata de produzir algo totalmente diferente dos projetos anteriores.
Sempre é momento para encararmos o presente de revisar questões como: para o que serve uma bienal e para o que poderia servir uma bienal? A Fundação está fazendo este exercício.
Há especialistas que dizem que o problema não é apenas de verba, mas de modelo.
De fato, vivemos num momento em que as dificuldades econômicas estão espelhadas em todos os índices, reproduzidos por todos os meios de comunicação. Inseridos neste mesmo ambiente, todos os projetos culturais têm sofrido um processo de constrição.
A Bienal do Mercosul vivenciou momentos de crise, talvez não tão extremos como o atual, e alcançou realizar sua missão. Assim, podemos citar o momento em que o Conselho discutiu o adiamento da 2ª edição. Foi quando o então presidente, dr. Ivo Nesralla, declarou: “Senhores, o paciente está na mesa de cirurgia. Já abri seu peito. Não há como postergar”. Também foi o caso da 7ª edição, quando o dr. Mauro Knijnik realizou a mostra em meio aos estragos provocados pela grande crise internacional de 2008.
Perguntas se a mudança não seria necessária apenas em razão da falta de disponibilidade de patrocínios. Pois é claro. Vivemos mudanças em todas as áreas. Vivemos em meio a diversas crises, como a da área de educação. Necessariamente o projeto da Fundação Bienal deve estar se adequando a todas as mudanças, a todas as crises, o que implica especialmente o aprimoramento de seu modelo.
Além disso, de longa data convivemos com uma discussão internacional sobre uma crise do modelo bienal. Pois a Bienal Mercosul respondeu a esta discussão oferecendo estratégias inovadoras no campo das bienais, servindo inclusive de modelo. Mudar não é ruim. É renovar-se para oferecer serviços melhores e mais adequados às novas demandas e condições. Estamos atentos às discussões atuais do sistema da arte e às possibilidades de renovação institucional que elas nos abrem.
O que a bienal precisa fazer em 2017 para retomar a projeção que já teve em edições anteriores?
Creio que a grande projeção da Bienal Mercosul se deu na medida em que suas edições conseguiram atender às necessidades dos diversos públicos aos quais ela se dedica. Neste momento, em meio à crise, este é o desafio. Encontrar soluções adequadas às alterações sociais, econômicas, tecnológicas que estamos vivendo.
É necessário refletir, pesquisar, discutir, trazendo à mesa diversos dos parceiros que ajudaram a construir este grande projeto. A Bienal construiu uma ampla rede afetiva e profissional ao longo de suas edições, contribuindo para a profissionalização do meio artístico e ampliando horizontes. A geração de processos colaborativos, envolvendo esse capital humano e intelectual que foi mobilizado pela instituição, é fundamental para seu futuro.
Em que sentido a bienal deve dialogar com o "Mercosul" que está em seu nome?
As questões regionais são um patrimônio desta Bienal. Não há como deixar o diálogo com as produções artísticas dos países do Mercosul e de toda a América hispânica ou América Latina. Essa rede já existe, sendo é muito respeitada regional e internacionalmente. Esses vínculos podem ser estreitados e ampliados.
E o diálogo com a sociedade e os artistas locais?
A Bienal Mercosul existe em razão desta sociedade. Foi criada tendo por objetivo imediato atendê-la. É a partir de sua pujança que alcança subsídios para realizar seus projetos, que são desenhados buscando contribuir com o desenvolvimento sociocultural desta mesma sociedade.
A relevância das contribuições Bienal para a classe artística local tem se dado em diversos níveis ao longo desses mais de 20 anos. Não se resume ao espaço que foi dado aos artistas que participaram dessas primeiras 10 edições. Mas envolve uma série de outras interações, como os impactos indiretos que a existência da bienal trouxe aos cursos de arte no estado, os impactos diretos que artistas em formação e jovens artistas tiveram na interação proporcionada no exercício da mediação, a convivência com artistas de outras partes ou o confronto direto com propostas artísticas comissionadas pela Bienal.
A Fundação Bienal mantém um diálogo maduro com todos os seus stakeholders, buscando ampliar a cada momento as contribuições de cada uma de suas edições.
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Bianca Knaak, professora do Instituto de Artes da Ufrgs
Tendo em vista a realidade da Bienal do Mercosul e da Fundação Bienal, o que você acha que vai acontecer com a bienal de 2017?
Ela vai acontecer! Com certeza.
Tendo em vista o cenário ideal, que modelo de bienal faz sentido hoje?
Há muito tempo se reclama de modelos ultrapassados de bienal. Mais de 30 anos só no Brasil. No entanto, em matéria de promoção artística não há, e nem acredito que deva existir, modelos que sejam satisfatórios universalmente. A cena internacional da arte contemporânea vive a se reinventar e refundar em plataformas hegemônicas mas apenas sazonalmente modelares. Nesse sentido a Bienal daqui tem um largo know how de reinvenção e afirmação. Observe que as 10 edições já realizadas são muito peculiares e diferem entre si de forma conceitual e até mesmo ideologicamente em muitos aspectos. A tendência é que continue assim, entre outros motivos para que continue atraente à cena cultural contemporânea. Além disso, penso que nossa bienal não teria tido o fôlego que teve se não tivesse a disposição e a liberdade de se reinventar em seus procedimentos e curadorias.
A Bienal do Mercosul de 2015 teve orçamento de R$ 7,7 milhões, pouco mais da metade do ano anterior. Mesmo assim, é um orçamento grande, se comparado com outros eventos culturais da cidade. Faz sentido realizar bienais tão caras atualmente?
Faz.
Seria possível pensar em um evento mais viável, mais barato, e ainda assim positivo?
Sim. Com certeza. Mas tudo depende do projeto que será posto em curso. O orçamento não é, em si, a garantia de uma boa bienal. Há uma constelação de práticas e propostas que precisam ser orquestradas em favor de uma ideia curatorial ou institucional. Isso pode ser muito caro para ser atingido com sucesso, ou nem tanto. Mas sempre serão caras as iniciativa de produção cultural patrocinadas, num país que tem o salário mínimo e os índices sociais que temos.
Pensando no formato, a bienal ainda deve ser uma megaexposição de dois meses de duração ou faria mais sentido um projeto mais continuado ao longo do ano?
Penso que as duas alternativas são viáveis. Seguem desdobramentos institucionais distintos mas, no entanto, não são sequer excludentes. Essa decisão é uma prerrogativa da própria Fundação Bienal do Mercosul. Agora se me perguntares do que eu gostaria que acontecesse a cada edição eu te diria: que o acervo de nossos museus pudesse ser alimentado com algumas obras de valor histórico como doações da Bienal a cidade que a hospeda.
De que forma a bienal deve dialogar com a cidade, com o público e o meio artístico local?
Pelo que observo, as estrategias de afirmação pedagógica da bienal passam justamente pela boa relação com a comunidade em geral e pela movimentação do meio artístico, inclusive com suas programações paralelas e de formação de professores e mediadores. E a forma como isso acontece, a cada edição, dependeu sempre do projeto em curso. Mas Porto Alegre gosta da bienal, espera por ela. Então, empiricamente, acredito que suas iniciativas relacionais têm sido bem encaminhadas e bem sucedidas.
O "Mercosul" do nome ainda faz sentido hoje?
Sim e não. Como instrumento cultural desse bloco econômico, não. Aliás nunca foi. Mas como nome da segunda bienal do país, sim. Alguns a identificam com Porto Alegre, como a Bienal de Porto Alegre. Mas assim como a Bienal de São Paulo, a nossa bienal também nunca foi local. Nossa Bienal não é "de Porto Alegre". Ela é uma bienal internacional "em" Porto Alegre. E deve continuar assim. Mudar o nome a desvincularia do embaraço gerado pela identificação da mostra com um bloco econômico agonizante. Por outro lado, revelaria a sua disposição politica para elucubrações curatoriais multitudinais, sem restrições geográficas. A Fundação já deve estar avaliando o impacto de uma alteração do nome e talvez opte por continuar com os dois Bienal de Artes Visuais do Mercosul/Porto Alegre, como já vem usando em seu material institucional.
Qual deve ser o horizonte geográfico da curadoria?
Vivemos tempos de crise generalizada. Qualquer que seja o foco da curadoria será de difícil adesão coletiva ou de consenso. É mais ou menos assim em tudo hoje em dia. Acredito que o horizonte curatorial possível será aquele que admita a multiplicidade de horizontes sincrônicos, tanto em meios quanto em modos de produção de sentido. Uma bienal de arte contemporânea repercute socialmente quando, em seus exemplos destacados, podemos estabelecer ao mesmo tempo a crítica e o pleno reconhecimento de uma tradição artística diacrônica, de um legado cultural e artístico legítimo e que nos permite, mesmo em tempos extremos de crise de valores, demandar arte e simbolismos de vida.
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Eduardo Veras, professor do Instituto de Artes da Ufrgs
Tendo em vista a realidade da Bienal do Mercosul e da Fundação Bienal, o que você acha que vai acontecer com a bienal de 2017?
Não tenho ideia sobre o que o futuro reserva à Bienal do Mercosul ou à Fundação Bienal. Espero que não acabem. Neste momento, talvez isso já seja muito. Gente melhor informada do que eu diz que a próxima Bienal vai repetir a última. Espero que não. Aquela bienal foi, a meu ver, um equívoco e um constrangimento, tanto em termos curatoriais quanto expográficos.
Tendo em vista o cenário ideal, que modelo de bienal faz sentido hoje?
O formato Bienal já era contestado aos tempos da 1ª Bienal do Mercosul, em 1997. Ou seja, no momento mesmo em que ela nasce, o modelo já está em xeque. Descobrir o que faz sentido hoje é o bilhete premiado. Duvido das fórmulas mágicas. A resposta talvez esteja na própria trajetória da Bienal e na observação crítica do momento presente. O que deu certo? O que não deu? O que fazer? É o momento de confiar mais nas perguntas do que nas respostas. Desde que sejam formuladas com inteligência, ousadia e, mais do que tudo, honestidade intelectual.
A Bienal do Mercosul de 2015 teve orçamento de R$ 7,7 milhões, pouco mais da metade do ano anterior. Mesmo assim, é um orçamento grande, se comparado com outros eventos culturais da cidade. Faz sentido realizar bienais tão caras atualmente? Seria possível pensar em um evento mais viável (mais barato) e ainda assim positivo?
Não, não faz sentido gastar tanto. Outras instituições no país estão acusando a crise e oferecendo respostas que não ficam devendo em qualidade aos momentos de maior fartura. De novo, não vou puxar um coelho da cartola, mas parece óbvio que dá para fazer uma Bienal melhor (menor) e mais barata.
Pensando no formato, a bienal ainda deve ser uma megaexposição de dois meses de duração ou faria mais sentido um projeto mais continuado ao longo do ano?
Os dois formatos talvez não sejam de todo excludentes. Uma bienal, por definição, é sempre uma exposição episódica, que oferece o balanço de um momento. Ao mesmo tempo, faz mais sentido um projeto continuado que se estenda para além de dois ou três meses, como era a ideia da Casa M, em 2011, ou como funcionou durante anos o setor educativo da Bienal. O educativo, hoje desarticulado, foi em outros tempos o pulmão dessa instituição: arejado, vivo, renovador.
De que forma a bienal deve dialogar com a cidade, com o público e o meio artístico local?
Esse é e deveria ser um tema permanente. Parece que já houve momentos em que o diálogo se dava de forma mais orgânica. A Bienal não precisa inventar a roda. É só conferir o que deu certo e o que não deu nessa trajetória de quase 20 anos.
O "Mercosul" do nome ainda faz sentido hoje? Qual deve ser o horizonte geográfico da curadoria?
Em 2005, o curador-geral, Paulo Sergio Duarte, já sugeria a troca de nome para Bienal de Porto Alegre. Seria preciso avaliar isso mais amplamente: o que está em jogo? O que se perde ou o que eventualmente se ganha? Seria estimulante um diálogo bem amplo, que incluísse a academia, por exemplo – não só os cursos de Artes e História da Arte, mas também eles. A Bienal sempre teve uma vocação mais internacional do que o Mercosul sugere e aprofundou isso a partir da sexta edição da mostra. Adiante, retrocedeu. Não me parece que o recorte mais fechado tenha favorecido a exposição em si.
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Gabriela Motta, pesquisadora, curadora e crítica
Tendo em vista a realidade da Bienal do Mercosul e da Fundação Bienal, o que você acha que vai acontecer com a bienal de 2017?
Não tenho a menor ideia do que vai acontecer, mas desejo profundamente que aconteça uma 11ª edição dessa bienal.
Tendo em vista o cenário ideal, que modelo de bienal faz sentido hoje?
"Bienal" é em si um modelo de exposição. Acho que as exposições mais interessantes, do tipo "mega" ou não, são aquelas que conseguem apresentar/propor hipóteses no campo da arte, sejam essas hipóteses conceituais, históricas, narrativas. E que nos façam ter ideias também sobre o tempo em que vivemos, o que lhe é próprio e o que é apenas repetição.
Por mais que esse modelo expositivo "soe" anacrônico para os teóricos/críticos/artistas, ele ainda se encaixa na lógica político-econômica dominante, que orienta o mundo contemporâneo. Ou seja, mais do que pensar "de fora" sobre um modelo de bienal que faça sentido hoje, acho que nossos esforços devem ser para, "de dentro", contribuirmos para a transformação dessa lógica.
Faz sentido realizar bienais tão caras atualmente? Seria possível pensar em um evento mais viável (mais barato) e ainda assim positivo?
Possível sempre é. Mas será que isso, de fato, é muito dinheiro? Há centenas de pessoas envolvidas em uma bienal: artistas, montadores, prestadores de serviço, etc. A bienal não é um evento da cidade, é um evento do país, movimenta – ou tem a capacidade de movimentar – muita coisa: obras que não podemos ver aqui por falta de acervos locais, artistas, críticos, curadores que não circulam na cidade, além de produzir reflexão e educação em artes visuais, em seus catálogos e projetos pedagógicos.
Pensando no formato, a bienal ainda deve ser uma megaexposição de dois meses de duração ou faria mais sentido um projeto mais continuado ao longo do ano?
Não vamos pensar em trocar uma coisa por outra – uma bienal ou um projeto mais continuado –, vamos pensar em ter as duas coisas. Aliás, a própria Bienal já tentou isso, com a Casa M. Isso sim faria mais sentido: a megaexposição, que traz visibilidade pra cidade e pros patrocinadores, que faz as pessoas, as obras e os artistas circularem, e o projeto continuado, que cuida para que tudo isso dê frutos e não "morra na praia".
De que forma a Bienal deve dialogar com a cidade, com o público e o meio artístico local?
Fora uma ou outra edição, acho que a Bienal do Mercosul sempre conseguiu estabelecer um bom diálogo com o público e o meio local. Essa lição de casa tem sido bem feita, sobretudo na quinta, sexta e oitava edições.
O "Mercosul" do nome ainda faz sentido hoje? Qual deve ser o horizonte geográfico da curadoria?
Mercosul é o nome da Bienal, nada além disso. E nunca fez sentido estético, só político mesmo. O horizonte curatorial deve ser sempre expandido e socialmente engajado.