Cantoras que hoje marcam presença na noite de Porto Alegre encontram inspiração em mulheres pioneiras, que, no passado, conquistaram espaço em um território predominantemente masculino. Dessa linhagem fazem parte Zilah Machado, uma das intérpretes prediletas de Lupicínio Rodrigues, além de Lourdes Rodrigues, que ganhou o apelido de Dama da Canção do jornalista Danilo Ucha (para citar duas que já não estão mais com a gente). Entre as que continuam ativas, Marina Batista, de 72 anos, é uma das herdeiras dessa rica tradição.
Nascida em Cruz Alta, ela passou a infância escutando discos de Dalva de Oliveira e Ângela Maria no radinho de casa. Desde cedo, manifestou talento para a música (a avó Mimosa jurava que ela tinha cantado antes mesmo de falar), de modo que os pais decidiram inscrever a guria em aulas de piano clássico. Também estudou balé, mas as apresentações da artista precoce se limitavam ao círculo familiar (os espetáculos domésticos incluíam ainda peças teatrais que montava com as irmãs e amigas da vizinhança).
A estreia no palco se deveu ao tio Antônio, boêmio e músico. Mimosa, aliás, é quem financiava o conjunto regional de Antônio, até que um dia ela impôs uma condição para isso: “Só continuo ajudando se deixar a Marina cantar contigo”. Foi assim que a garota subiu ao palco do Cine Rio, na cidade natal, aos nove anos. Mas a alegria durou pouco. Nos planos dos pais – seu Wilson, vendedor em uma banca de revistas, e dona Júlia, que cuidava da casa –, o futuro da moça não passava nem perto da carreira musical.
– Antigamente, sabe como é, mulher tinha um protocolo a seguir. Fazer curso de normalista para ser professora era o máximo que se aceitava. Fora disso, só dona de casa – conta Marina.
Até que, certo dia, a madrinha Luísa trouxe um violão para dar de presente para a jovem, que recém havia completado 15 anos. A madrinha ainda deu um conselho para Wilson e Júlia:
– Acabem com essa bobagem. A música é um dom de Deus. Deixem a Marina tocar e cantar à vontade.
Quando estudou Direito na Faculdade de Cruz Alta (atual Unicruz), Marina participou de tertúlias e serenatas com os colegas, mas o melhor ainda estava por vir. Em 1977, ela se mudou para Porto Alegre a fim de frequentar um curso preparatório para concurso no Banco Central (ela não passou, mas, em compensação, anos depois, ingressou na carreira de servidora da Justiça Federal). Então, aos poucos, foi descobrindo a vida noturna da Capital, onde conheceu a nata dos músicos locais, incluindo o flautista Plauto Cruz e o violonista Darcy Alves, que a convidaram para participar dos shows. Finalmente, o sonho de criança de virar cantora se transformou em realidade.
De lá para cá, Marina se apresentou nas principais casas de música ao vivo de Porto Alegre e do interior do Estado. Em dezembro do ano passado, relembrou toda a trajetória musical em show no Espaço 373, com repertório homenageando os grandes nomes da MPB, ao lado dos músicos Maicon Paquetá, Elisandro Verdun, Antônio Nunes, Paulo Miguel, Tuti Rodrigues e Dimitri Correa. A boa notícia é que esse espetáculo foi gravado e será lançado em DVD ainda no primeiro semestre deste ano, com produção de Archan Rezende, filho de Marina.