Pela primeira vez, em 74 anos de atividades, o Clube de Cultura, referência da vida política e intelectual de Porto Alegre durante décadas, será presidido por uma mulher: Carol Baumann, eleita em dezembro passado. Além disso, cinco dos seis cargos da nova diretoria foram preenchidos por representantes femininas.
– É um fato marcante na trajetória da entidade, que sempre teve maioria masculina na direção e no conselho deliberativo – afirma Carol, que é filha de Hans Baumann, histórico dirigente do clube, falecido em 2016, aos 88 anos.
Fundado em 1950 por judeus da “pá-virada”, como eram chamados os intelectuais de esquerda da comunidade judaica, o Clube de Cultura teve como primeira sede uma casa alugada no Bom Fim, onde os sócios se reuniam para jogar cartas. Em um jogo de pife, Marcos Kruter (engenheiro que, mais tarde, idealizou o bairro IAPI) sugeriu a aquisição de um terreno para a construção de edifício residencial, na Rua Ramiro Barcellos, no qual o Clube ocuparia o piso térreo. Em 14 de novembro de 1957, a nova sede (onde a associação está até hoje) foi inaugurada com uma apresentação da Ospa.
Estava prevista uma palestra de Erico Verissimo, mas, envolvido na produção de O Arquipélago, da trilogia O Tempo e o Vento, o romancista não pôde comparecer.
Figura central na história do clube, Henrique Scliar (imigrante da Bessarábia), anarquista e erudito autodidata, era tio do escritor Moacyr Scliar (inspirou, inclusive, o personagem Capitão Birobidjan, espécie de Dom Quixote do Bom Fim, em O Exército de Um Homem Só). Após fazer fortuna com um bilhete de loteria, Henrique adquiriu um sítio em Viamão, onde recebia amigos como Jorge Amado e Zélia Gattai (o sítio é citado por Zélia no livro Um Chapéu Para Viagem). As boas relações com a intelectualidade – que incluíam Graciliano Ramos, Dyonélio Machado e Aparício Torelli, o Barão de Itararé – ajudaram a agendar a programação de palestras no clube, que se destacou também nas artes cênicas ao montar, pela primeira vez, em 1966, textos de Qorpo Santo, precursor do teatro do absurdo, com direção de Antonio Carlos Sena.
Na música, não foi diferente. Em 1961, a jovem cantora Elis Regina (então com 16 anos) se apresentou no palco, onde, alguns anos depois, foi criada a Frente Gaúcha de Música Popular por Raul Ellwanger, Cesar Dorfman, Sérgio Napp e Mauro Kwitko. Como se fosse pouco, ali também estreou profissionalmente o cantor e compositor Nei Lisboa, no show Lado a Lado, com Gelson Oliveira, em 1979. E uma sala do segundo andar abrigou a Coompor (Cooperativa Mista dos Músicos de Porto Alegre), presidida por Nelson Coelho de Castro, no final dos anos 1980.
As ligações com o cinema não ficam atrás: o primeiro longa-metragem gaúcho, Vento Norte, de 1951, com roteiro de Josué Guimarães e direção de Salomão Scliar (filho de Henrique Scliar), foi planejado no clube.
No espaço, se reunia o Grupo Humberto Mauro, primeiro cineclube do país a exibir só filmes brasileiros, de 1976 a 1980. E, em 1981, lá estreou Deu Pra Ti, Anos 70, de Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, primeiro longa-metragem em super-8 do RS, formando longas filas na calçada da Ramiro Barcelos.
Recém-empossada, a presidenta Carol Baumann planeja fortalecer o Clube de Cultura como espaço democrático e plural de discussão política e social, além de estreitar o diálogo com os artistas e coletivos culturais da Capital.