Professor da rede municipal de ensino de Viamão, o historiador Raul Pons não hesita em gastar as horas vagas debruçado sobre antigos jornais e documentos, guardados em museus e arquivos históricos, para reconstituir a trajetória do Internacional. O que mais interessa a ele são as raízes populares do time do coração, que, segundo Pons, se manifestaram desde cedo:
– Embora tenha sido fundado por representantes de classe média, o caráter popular do clube é perceptível já nas primeiras imagens com a proximidade entre jogadores e torcedores – afirma.
Oficialmente, o primeiro atleta negro a jogar no Internacional foi Dirceu Alves, em 1928, mas Pons observa que, antes, outros já haviam participado da equipe, a exemplo do zagueiro Dorval, que vestiu a camisa colorada em 1919. Só que, devido à origem social (era de classe média), havia sido classificado como branco, o que dá uma ideia de quão discriminatório era o ambiente do futebol. Nos anos 1930, o lacre do racismo é rompido com o ingresso dos atacantes Tupã e Venenoso e do zagueiro Natal. E, a partir de 1939, com a chegada de craques como Osmar Fortes Barcellos, o Tesourinha, forma-se uma equipe multirracial que constitui o Rolo Compressor, time vencedor que durou de 1940 até 1948, conquistando oito campeonatos estaduais em nove anos.
Conforme Pons, a proximidade com as camadas populares é evidente também na relação com o carnaval, que interferiu até na escolha do uniforme, em 1909. Havia uma rivalidade entre os blocos Venezianos e Esmeralda, como atestou Napoleão Gonçalves, presente no ato de fundação, em depoimento registrado no livro Na Sombra dos Eucaliptos, de Carlos Lopes dos Santos: “Era evidente que o carnaval havia se intrometido em uma assembleia esportiva através dos adeptos das duas sociedades e o tumulto foi a consequência. Finalmente, contados os votos dos presentes, venceu a corrente que pugnava pelas cores encarnado e branco, vontade dos adeptos dos Venezianos. Em sinal de protesto, os esmeraldinos presentes se retiraram da assembleia geral, não assinando a ata de fundação do clube, e entre estes eu me encontrava”.
Outro vínculo com o carnaval se deu através da figura de Vicente Rao, Rei Momo de Porto Alegre de 1951 a 1972, que jogou como center-half no clube e, em 1940, foi convidado a organizar o Departamento de Cooperação e Propaganda, em última instância, a primeira torcida organizada do futebol gaúcho. A pesquisa de Pons aborda também curiosidades, como as meias cinzas que compuseram o uniforme durante boa parte do século passado.
– No início, a maioria dos times usava meias escuras, como pretas ou cinzas, porque as claras ficavam muito encardidas, dificultando a lavagem. Talvez por tradição, a meia cinza tenha sido mantida até os anos 1960.
Outro fato curioso é que, na década de 1950, o nome do clube foi aportuguesado. Em vez de Sport Club Internacional, como é até hoje a denominação oficial, os jornais citavam Esporte Clube Internacional. Segundo Pons, a alteração pode ter relação com a onda nacionalista que varria o país no governo de Getúlio Vargas, que já havia presidido o Brasil de 1930 a 1945 e voltara ao poder entre 1951 e 1957.
– Seja como for, há que se destacar que o aportuguesamento jamais foi adotado nos documentos oficiais do clube, muito menos no escudo da camisa, que usou sempre a letra “s” – salienta o historiador, que publica suas pesquisas no blog Futebol & Outras Histórias.