Quando observo o trenzinho colorido da Redenção, que circula pelo parque desde que me conheço por gente, lembro que Porto Alegre já teve uma ferrovia de verdade. Foi no início do século 20, quando as pessoas iam de maria-fumaça veranear junto às águas doces do balneário da Tristeza. Construída em 1894, a princípio, a ferrovia urbana partia da Estação do Riacho, próxima à Ponte de Pedra, estendendo-se até a Ponta do Dionísio, na Vila Assunção (onde hoje está o Clube Veleiros do Sul).
Cabe um esclarecimento: até meados do século passado, o Arroio Dilúvio se esticava por trás das casinhas da Rua João Alfredo até desaguar no Guaíba, em área próxima ao Colégio Parobé. A Estação do Riacho ficava na porção de terra entre o arroio e o Guaíba. Ali havia também uma pequena vila, onde moravam os trabalhadores da ferrovia, além do Clube Aimoré, fundado pelos ferroviários.
A maria-fumaça – uma locomotiva da marca alemã Krauss –, movida a vapor, puxava dois ou três vagões e fazia de duas a quatro viagens por dia, conforme a época do ano. Inicialmente, a principal finalidade não era conduzir passageiros, e sim os malcheirosos “cubos” (recipientes com fezes humanas recolhidas pelo Asseio Público) para despejo no Guaíba. Por alguns anos, os dejetos foram descartados na Ponta do Dionísio. Isso até o dono daquela área, José Joaquim Assunção, reclamar que a ferrovia havia sido construída em sua propriedade sem pagamento de indenização. Então, os “cubos” passaram a ser despejados na altura da Ponta do Melo (onde hoje temos o Shopping Estaleiro). Em sentido contrário, a maria- fumaça trazia pedras da Zona Sul para as construções no centro da cidade.
Em 1900, a estrada foi ampliada até a Tristeza e, mais tarde, até a Pedra Redonda, em Ipanema, o que ajudou – e muito – a acelerar o desenvolvimento da zona sul da Capital. Para a ampliação da linha, foi cavada uma abertura nas rochas da Vila Conceição, permitindo a passagem do trenzinho da Tristeza, que, em 1906, transportou mais de 80 mil passageiros.
Vinte anos depois, a ferrovia se estendeu até a Vila Nova para carregar pedras para o calçamento das ruas da região. Segundo o historiador Walter Spalding, foi uma promessa de campanha de Otávio Rocha, ao disputar a intendência municipal pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), feita ao empresário Vicente Monteggia, que havia lhe assegurado os votos da Vila Nova, caso fosse construído um ramal do trem até o bairro.
A Estrada do Riacho também ganhou, em 1927, uma extensão em direção ao centro da cidade, com a inauguração da Estação Ildefonso Pinto, na esquina da Avenida Mauá (antiga Avenida do Porto) com a Borges de Medeiros. Mas essa é uma outra história, que merece ser contada com mais vagar. Por ora, resta dizer que o trenzinho da Tristeza entrou em declínio com a abertura da “faixa de cimento” (estrada para automóveis) até a Zona Sul, nos anos 1930, encerrando o transporte de passageiros em 1936. A carcaça da maria-fumaça, restaurada graças a uma PPP entre a municipalidade e as empresas Giordani e Tramontina, está exposta na praça central de Carlos Barbosa, na serra gaúcha, desde dezembro de 2019.