A Rua Cel. Fernando Machado, que começa na Gen. Vasco Alves e termina na Cel. Genuíno, desperta em mim, mesmo quando passo de carro e rápido por ela, um sentimento de nostálgica melancolia. Afinal, especialmente no trecho entre a Rua Gen. Auto e a Gen. Bento Martins, onde morei, primeiro no número 494 e depois no 442, eu transitei da infância para a adolescência.
Antigamente chamada de Rua do Arvoredo, ela é, segundo o historiador Sérgio da Costa Franco, uma das mais antigas vias do Centro e “existiu desde os primeiros tempos de Vila de Porto Alegre. Há registros de venda de imóveis (casa e cozinha de palha) datados de 1788. Em 1843, os vereadores estipularam o prazo de quatro meses para que os proprietários construíssem calçadas à frente das respectivas casas; primeiro sintoma de urbanização”. Tornou-se Rua Cel. Fernando Machado em 1870, em homenagem ao militar, que tombou na Guerra do Paraguai.
Quando eu vivi ali, na década de 1960, a rua ainda não era um desfiladeiro de prédios de apartamentos como hoje. Jogávamos bola no meio da rua e só interrompíamos a partida para a passagem de algum inconveniente automóvel; a goleira era sempre uma porta fechada de garagem. Nas pequenas áreas sem ajardinamento das laterais da escadaria que leva até a Rua Duque de Caxias, fazíamos nosso triângulo para jogar bolas de gude. A praça atrás do Palácio Piratini (e da escola Paula Soares – Praça Padre Gregório de Nadal) também era nossa área de lazer. A diversão ali era passar de uma árvore para outra, sem descer ao chão, perfazendo toda a extensão longitudinal da praça, aventura essa menos perigosa do que descer a íngreme ladeira da Rua Gen. Auto de carrinho de lomba em alta velocidade.
A rua é tão antiga que, em 1865, quando se deu início à construção (na esquina com a Rua Espírito Santo) do Seminário Diocesano (hoje Cúria Metropolitana), a Câmara ainda concedia licença a um tambeiro, Propício de Abreu, para manter vacas de leite em seu curral na Rua do Arvoredo.
Na esquina da Fernando Machado com a Bento Martins, havia a sapataria Dewes, onde, numa pequena vitrine, uma marionete animada por um motorzinho simulava um sapateiro batendo prego num sapato, cercado por uma maquete que reproduzia seu ambiente de trabalho. Lindo!
Na esquina da Gen. Auto, numa decadente casa colonial, havia um antigo armazém e, sobre o balcão, no alto, um varal expunha diversos produtos para venda. Um dia, não resisti e gastei o troco da compra encomendada pelo pai num daqueles apitos de plástico usados pelos afiadores de facas, que eu já namorava fazia tempo... Tomei uma bronca tão grande pela aquisição não autorizada que o apito até perdeu a graça.
Em frente ao 494, numa grande e confortável casa de dois pisos, com pequeno jardim na frente, morava o nosso vizinho, pintor e professor Ângelo Guido e sua esposa, Dona Nina, e mais a filha Nina Rosa, que era amiga da minha irmã. O gentil casal eventualmente nos cedia o telefone – luxo que não possuíamos. Ao lado da casa deles, num sobrado de porta e janela, vivia o “seu” Paulo (Paulo Primo), que usava o porão, com uma portinha voltada para a rua, como oficina. Curioso, muito aprendi vendo o “velho” trabalhar e fazendo perguntas, às quais ele, com toda a paciência do mundo, me respondia didaticamente.
Reminiscências: o passado presente para sempre.
Fonte: Porto Alegre-Guia Histórico, de Sérgio da Costa Franco