Houve época em que o time de camisetas listradas em vermelho e branco, calções pretos e meias cinza amedrontava qualquer adversário que o enfrentasse no estádio Tiradentes, no bairro Navegantes, na Capital. “Era só piscar os olhos e já estava um a zero para nós”, dizia o massagista Ataíde Carvalho. Na história do futebol gaúcho, a “Máquina do 4º Distrito” foi uma das poucas equipes que ameaçaram o domínio da dupla Gre-Nal — em 1954, foi campeã citadina e estadual.
Esse clube é o Renner, fundado em 1931 por funcionários da A.J. Renner & Cia., que começara fabricando capas de chuva de feltro impermeabilizado (da marca Ideal), em 1912, transformando-se depois em uma das maiores indústrias gaúchas do século passado (a empresa deu origem a Lojas Renner).
— A intenção era reunir a turma para jogar nos fins de semana — diz o arquiteto Luis Carlos Macchi, 75 anos, mascote do time campeão de 1954 quando criança (o tio Antônio Macchi foi presidente do Renner em 1940).
Até 1935, os empregados jogavam em um campinho com traves improvisadas na Avenida São José (atual Frederico Mentz). Certo dia, ao assistir a uma das peladas, Antônio Jacob Renner (dono da indústria têxtil) se mostrou contrariado com as condições precárias do campo e decidiu construir um estádio. Ato contínuo, montou um centro de atletismo, voleibol e futebol de salão nas proximidades. A ideia era a de que a prática esportiva ajudaria a preservar a saúde dos industriários e, com isso, aumentar a produção da fábrica.
O Tiradentes foi inaugurado em 15 de novembro de 1935, entre as avenidas Sertório e Eduardo (atual Presidente Roosevelt) — à época, a Farrapos não existia (foi aberta em 1940). Inicialmente, era para receber os jogos do campeonato amador da Capital (a equipe chegou a ser tetracampeã amadora). A partir de 1945, o Renner passou a disputar o campeonato profissional — contra Grêmio e Internacional, o estádio atingia a capacidade máxima de 12 mil espectadores. Em paralelo, fazia excursões alinhadas à estratégia do negócio da empresa. Em 1955, foi a Montevidéu para jogar contra o Nacional e promover a loja da Renner que havia sido aberta na capital uruguaia. Em viagem ao nordeste do Brasil, em 1953, os jogadores posaram para fotos com ternos de linho branco para abrir mercado aos trajes na região de clima tropical.
O esquadrão de 1954 era liderado pelo meia-esquerda Ênio Andrade (mais tarde, técnico campeão brasileiro com Internacional e Grêmio), que jogava ao lado do irmão Ivo — após machucar o joelho, Ivo virou auxiliar do treinador Selviro Rodrigues (professor do IPA e um dos pioneiros da educação física no Estado). Outro destaque era o guarda-metas Valdir de Morais, que viria a se tornar um dos atletas mais vencedores da história do Palmeiras (foi também um dos primeiros a exercer a função de preparador de goleiros no Brasil). Em 1959, alegando não ser mais possível competir devido ao avanço do profissionalismo, A.J. Renner extinguiu o time. Hoje, o único representante vivo da equipe campeã é o médico Arnaldo da Costa Filho, que completou cem anos em setembro de 2022.
Responsável pelo Memorial Valdir de Morais, que reúne uniformes, faixas e fotografias, Luis Carlos Macchi planeja transferir o material que guarda em casa para o Instituto Caldeira, junto ao DC Navegantes. Pretende ainda lançar um livro contando a história do clube, com apoio da iniciativa privada através de leis de incentivo fiscal.