Em setembro de 1982 eu vivia no Rio de Janeiro e trabalhava na sucursal carioca da revista Veja. Entre os dias 13 e 25 daquele mês foi realizado, no Peru, o 9º Campeonato Mundial de Voleibol Feminino. Enviado especial a Arequipa, cidade do altiplano peruano, localizada a 2.335 metros de altitude, e uma das subsedes da competição, tive oportunidade de conviver, por alguns dias – e intensamente –, com as meninas da Seleção Brasileira que lá estavam alojadas.
Naquela época, o vôlei, especialmente o feminino, ainda não tinha a relevância que adquiriu nos anos seguintes. De qualquer forma, já se vislumbrava uma modalidade esportiva que começava a buscar espaço entre os torcedores do país do futebol. Não por acaso, a capa da Veja, que circulou na semana de abertura do Mundial de Vôlei, trazia a foto da jogadora Isabel, identificada pelo título “A Musa do Esporte”.
A revista com a reportagem, preparada antes de as meninas iniciarem a viagem, chegou às minhas mãos por meio de um despacho via DHL, enviado ao hotel em que eu estava hospedado. Levei um exemplar para o ginásio onde as atletas estavam treinando, certo de que elas teriam curiosidade para ver a matéria publicada. Não me enganei. A revista passou de mão em mão, causando certo alarido durante o intervalo do treinamento. Mas o que mais me chamou atenção foi a reação da Isabel, personagem da capa, que disse: “Está linda... mas não sou eu.”
Nesse momento, conheci um pouco mais da personalidade forte da cortadora da Seleção Feminina de Vôlei. Entendi, imediatamente, o que ela queria dizer. Embora a imagem, de autoria do fotógrafo Pedro Martinelli, fosse irretocável e de qualidade indiscutível, Isabel não se identificou com a vibe glamourizada, formal e cosmética que a foto transmite. Contou que refugou um determinado figurino que lhe foi oferecido durante a sessão de fotos no estúdio.
Fiquei imaginando que talvez ela preferisse uma foto mais espontânea, quem sabe com o rosto um tanto suado, após ou durante um jogo ou treino. Acho que sempre foi uma pessoa saudavelmente inconformada. Crítica.
Foi essa Isabel que morreu precocemente, aos 62 anos, na última quarta-feira. Mais do que uma musa do esporte, uma referência de mulher livre, poderosa e senhora do seu destino. Sintonizada com seu tempo, ela seguiu a trilha aberta no esporte por Afonsinho, o jogador de futebol que encarou os cartolas e foi perseguido por usar cabelo comprido e barba, contrariando o “bom comportamento” recomendado no período escuro da ditadura militar. Foi ele o primeiro atleta a ganhar, na Justiça, “passe livre”. Foi alforriado 27 anos antes que uma lei garantisse esse direito aos jogadores. Isabel seguiu, ainda, a trilha desbravada por Leila Diniz, em que a gravidez foi ostentada com orgulho, e a maternidade não era incompatível com uma trajetória de sucesso profissional. Isso tudo pode não ter sido planejado, talvez tenha sido intuído, mas, sem dúvida, servirá sempre de inspiração para quem quiser prestar atenção.
Isabel nunca teve medo de dizer e fazer o que pensava. Teve os parceiros que quis e os filhos que a vida lhe presenteou. Nem todo mundo sabe que ela foi casada por 10 anos com o gaúcho Thomaz Koch, tenista de renome internacional. Isabel foi a primeira mulher brasileira a fazer carreira internacional no vôlei.
No mundial de voleibol, no Peru, a China venceu, seguida pelos donos da casa e tendo os EUA como terceiro colocado. O Brasil ficou em oitavo lugar. De lá para cá, muita coisa aconteceu, e Isabel participou de quase tudo. É uma pena não podermos mais contar com ela.