O mês de setembro se tornou um verdadeiro marco na história do garoto Nicolas, de apenas nove anos. Ele nasceu na cidade de Artigas, no Uruguai, e teve a vida transformada após uma cirurgia de cerca de sete horas, liderada pelo cirurgião pediátrico Rafael Deyl, no Hospital da Criança Santo Antônio.
O procedimento colocou fim a uma luta iniciada ainda nas primeiras 24 horas de sua existência. Foram necessários menos de 20 dias de recuperação para que Nico, como é carinhosamente chamado pela família e pela equipe do hospital, pudesse pela primeira vez se alimentar sem dificuldades e ter a experiência de sentir o sabor de um tão sonhado alfajor.
Nico, que comemorou a alta 10 dias atrás, nasceu com atresia esofágica, uma malformação do esôfago. O órgão é o canal que liga a boca ao estômago. Desde o nascimento, o pequeno torcedor do Peñarol passou por sete cirurgias, além de outros inúmeros procedimentos antes de chegar à Santa Casa. Ele teve uma vida marcada por desafios. Segundo o médico, os processos realizados até então não tinham conseguido resolver os problemas de esôfago, nem mesmo o quadro pulmonar, impactado pela malformação.
– Ele chegou aqui com a persistência de uma fístula traqueoesofágica (uma conexão anormal no sistema digestivo), quadro esse que o acompanhou desde os primeiros dias de vida, impossibilitando que ele conseguisse engolir ou sentir os alimentos –, explicou o médico. Segundo o cirurgião, devido ao tamanho da fístula, foi preciso uma série de readequações no processo cirúrgico, desafiando toda a equipe.
— A gente tinha mais ou menos 10 centímetros de esôfago perdido, que estava ligado direto na traqueia e não no estômago —, lembra Deyl.
Além da retirada da fístula, também foi preciso realizar um procedimento de levantamento gástrico para que todo o trânsito intestinal pudesse ser reconstruído. A bem-sucedida cirurgia possibilitou um novo recomeço para Nico e a família.
— O dia que eu vim de lá (do Uruguai), deixei meus outros filhos e não sabia sinceramente se ia voltar com ele. E agora a gente vai voltar, e ele vai poder ter uma vida como qualquer outra criança, vai poder viver todas as experiências que ele não pôde ter até agora. Parece um sonho ainda —, contou emocionada Márcia Fagundez Bordenave, a mãe, que é casada com um brasileiro, o que permitiu que Nicolas pudesse ter direito ao tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil.
Na manhã de uma sexta-feira, duas semanas após a cirurgia, Nico esperava ansioso pela visita do doutor Deyl. Alguns dias antes, o médico havia perguntado o que o pequeno mais gostaria de comer, caso os exames permitissem. E a resposta já estava na ponta da língua: um alfajor de chocolate.
Como contou a mãe, foram nove anos esperando para sentir o sabor daquele que é um dos mais tradicionais doces uruguaios.
—Nico sempre recebeu o doutor com um abraço, mas naquele dia foi ainda mais especial. Ele já chegou desembrulhando um pacotinho, entregou pro Nico e na hora pude ver o brilho no olho do meu filho.
A mãe confessa que, embora soubesse da importância daquele momento, ainda estava com medo, fruto de um sentimento nutrido pelas experiências anteriores, que sempre colocaram a vida do filho em risco. Segundo Márcia, a primeira mordida foi tímida, cheia de receio, mas não demorou muito para Nico devorar o alfajor todo. A mãe não conteve as lágrimas, assim como a equipe que acompanhou a realização do sonho do garoto uruguaio.
Sentir o sabor do alfajor foi a primeira de uma série de novas possibilidades para Nico. Experiências essas que passam despercebidas no cotidiano de quem sempre soube o que é o sabor de uma simples fruta ou de qualquer outro alimento, especialmente de um delicioso e cobiçado alfajor.