“O rancor e a memória caminham juntos.”
Carlos Fuentes
É impossível falar na Revolução Federalista de 1893 sem falar em degola. Também é impossível falar em degola sem se lembrar do nome de Adão Latorre (1835-1923). Por dois anos, de 1893 a 1895, maragatos (de lenços vermelhos) combateram os republicanos pica-paus (que usavam lenços brancos). Latorre, esse negro pobre, descendente de escravos, nasceu no Uruguai onde era conhecido por Adán (ou Adam) de la Torre.
Desde pequeno, lutou e trabalhou. Em 1851, aos 16 anos, alistou-se no exército uruguaio pelo Partido Blanco. Serviu nas tropas dos caudilhos orientais Timóteo Aparício e Gumercindo e Aparício Saraiva (estes dois, irmãos), destacando-se em táticas de guerrilha e cargas de cavalaria ligeira. Paralelamente, participou dos levantes maragatos no Rio Grande do Sul. Circulava à vontade pelos territórios da fronteira, onde os hábitos e a geografia são os mesmos.
Hoje, seria o que chamamos de “doble chapa”, meio uruguaio e meio brasileiro. Foi capataz nas estâncias dos irmãos e chefes militares Joca e Zeca Tavares, de Bagé. Acostumado às lides campeiras e às carneações de gado, era exímio no manejo da lâmina da faca. Quando a Revolução de 1893 completava 10 meses, no dia 28 de novembro, ele cortou a garganta de dezenas de prisioneiros pica-paus que haviam sido reunidos num curral de pedras, depois de três dias de combates.
O carrasco não agiu por conta própria, até porque não tinha autonomia para tanto, mas, impiedoso e sem sentimento de culpa, fez o que os chefes esperavam dele: tingiu de vermelho o lenço branco dos inimigos.
As informações acima foram extraídas do livro recém-saído do forno Um Tal de Adão Latorre – A Degola na Revolução de 1893 (Edigal, 156 páginas), escrito pelo jornalista e pesquisador Nilson Mariano. Amanhã, às 10h, na Livraria Erico Verissimo (Rua Jerônimo Coelho, 377, defronte ao Hotel Embaixador), Mariano é o convidado, como palestrante, do Ciclo de Debates promovido pela Martins Livreiro, com realização do jornalista Nelson Adams Filho.
Quem comparecer ouvirá do premiado jornalista e mestre em História mais aspectos da biografia desse peão que foi alçado ao posto de tenente-coronel por sua bravura e lealdade e ficará sabendo também que Latorre recomendava aos filhos que não se metessem em brigas e que não permitia que estes matassem passarinhos. Latorre foi durão até morrer, levando dois tiros num combate da Revolução de 1923. Ele tinha quase 88 anos.