O Escaler, um dos mais emblemáticos bares da fase áurea da boemia do bairro Bom Fim, na Capital, vai virar livro. A obra já começou a ser produzida por Antônio Calheiros, o Toninho do Escaler, dono do boteco que encantou gerações de porto-alegrenses ao estabelecer um espaço de cultura e lazer ao ar livre, junto ao Parque da Redenção. O trabalho tem a colaboração da jornalista Denise Schmitt de Queiroz.
Não faltam histórias para contar. Escaler é sinônimo de bote salva-vidas – tudo a ver com a profissão de oficial da marinha mercante, à qual Toninho se dedicou durante 12 anos até abrir o boteco em 24 de outubro de 1982, na banca antes ocupada pela peixaria Guaíba, no Mercado do Bom Fim. No início, era um bar diurno, que oferecia sucos e lanches naturais. A partir do verão de 1984, esticou o expediente até a noite, passando logo a formar aglomerações de jovens, principalmente, durante os shows realizados aos domingos, a partir do final da tarde.
No show de Bebeto Alves, o público de 6 mil pessoas se espalhou pelas duas pistas da Avenida José Bonifácio e trancou a porta da Igreja Santa Teresinha. Naquele dia, pela primeira vez após muitas décadas, não houve missa dominical no Bom Fim. O bar era também reduto de bandas como Bandaliera, Engenheiros do Hawaii, Cidadão Quem, Rabo de Galo e Câmbio Negro.
Em uma madrugada de dezembro de 1984, a roda gigante do parque infantil da Redenção foi furtivamente ligada por aficionados do rock, que recém haviam saído do show dos baianos da Camisa de Vênus, no Araújo Vianna.
Para aumentar ainda mais o movimento, Toninho inventava ações de marketing. Na campanha das Diretas Já (movimento em favor da eleição direta para Presidência da República), em 1984, o boteco colocou em prática os anseios populares. Para votar, bastava comprar uma cerveja. Pelo menos no Escaler, ganhou Leonel Brizola. Em 1986, Toninho pôs uma luneta na porta do bar para que os frequentadores pudessem espiar o cometa Halley. A promoção Cometamor contou com alunos do curso de Astronomia da UFRGS, que elucidavam as dúvidas quanto à aparição do astro sideral.
Mencionado no livro Memória Porto Alegre - Espaços e Vivências (Editora da Universidade, 1991), da historiadora Sandra Pesavento, como um dos territórios do Bom Fim que enraizaram as novas “sociabilidades cotidianas” na Capital, o Escaler durou até 2006, mas viveu o apogeu nos anos 1980, época em que vendia 2 mil caixas de cervejas por mês.
Uma filial de lona foi aberta junto ao Gigantinho, o Escaler Voador, que promoveu shows de Paralamas do Sucesso, Titãs e João Bosco, entre outras atrações. Com tanto sucesso, Toninho se candidatou a vereador pelo PV, com o slogan “Toninho, o verde maduro”. Fez 4.553 votos, sem atingir coeficiente eleitoral para se eleger.
O livro do Escaler já tem título provisório, Pelo Bom Fim, escolhido para enfatizar a relação com o bairro onde o boteco nasceu. A ideia é lançá-lo na Feira do Livro da Capital, em novembro deste ano.
— Porto Alegre já tinha uma Esquina Democrática, mas a convivência mais democrática se dava no Escaler, que reunia diferentes tribos com alegria e fraternidade. Foi o Woodstock porto-alegrense — conclui Toninho.