O ano de 1990 é um marco para a cultura do Rio Grande do Sul. Há três décadas, foi instituída a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac) e inaugurada a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ). Por trás de ambas as iniciativas, estava o editor, crítico literário e professor Carlos Appel, catarinense de Brusque que se radicou em território gaúcho no começo dos anos 1950.
A origem da pasta é a Divisão de Cultura, criada na Secretaria de Educação, em 1954. Ao final da década de 1980, na condição de subsecretário e com apoio do Conselho Estadual de Cultura, em torno do qual orbitavam nomes como Décio Freitas, Cyro Martins, Moacyr Scliar, Jairo de Andrade, Sérgio Napp e Nicéa Brasil, Appel convocou representantes de mais de 200 municípios para uma reunião no Salão de Atos da UFRGS. Os debates, que se prolongaram durante manhã, tarde e noite ao longo de uma semana, foram encerrados com uma palestra do escritor José Saramago — foi a primeira vez que o português esteve em Porto Alegre.
— A ideia era saber o que a comunidade cultural queria. Havia sugestões de permanecer na área de educação e de se ligar à de turismo, mas a maioria optou por criar a nova secretaria — conta Appel.
Para dar estabilidade à proposta, existia a preocupação de que a estrutura a ser implantada fosse uma conquista de toda a sociedade, por isso a inclusão da palavra “Estado” na denominação da pasta. Não à toa, o projeto de lei que a instituiu foi aprovado por unanimidade (37 votos) na Assembleia Legislativa no dia 27 de junho daquele ano.
Já o prédio da Casa de Cultura, projeto do arquiteto alemão Theodor Wiederspahn construído entre 1916 e 1933, abrigou, durante décadas, o lendário hotel Majestic, que, em seu apogeu, recebeu hóspedes ilustres como o presidente Getúlio Vargas, a vedete Virgínia Lane e o cantor Francisco Alves. Acolheu também João Gilberto, quando o pai da Bossa Nova viveu sete ou oito meses em Porto Alegre, em 1955, antes de ficar famoso. Mas, sem dúvida, a figura mais identificada com o Majestic foi o poeta Mario Quintana, que ali morou de 1968 a 1980.
Quando Appel propôs a restauração ao então governador Pedro Simon, o telhado praticamente inexistia – a água da chuva inundava salas e corredores do quinto ao sétimo andar. Foi até solicitado laudo da Fundação de Ciência e Tecnologia (Cientec) para saber se ainda era possível salvar o prédio histórico.
— Simon disse que não havia dinheiro para a obra. Prometi que ia fazer com apoio da sociedade. E, de fato, sem a iniciativa privada, teria sido impossível restaurar — diz Appel.
Apesar de adoentado, Mario Quintana acompanhou com entusiasmo a empreitada. Segundo Appel, a única preocupação do poeta era a de que a obra não parasse no meio do caminho. Não parou: a Casa de Cultura Mario Quintana foi inaugurada em 25 de setembro de 1990, já com Sinval Guazzelli como governador. A recuperação da CCMQ serviu de estímulo para a recomposição de diversos espaços culturais no Interior, como os teatros Prezewodowski, de Itaqui, de 1886, e Treze de Maio, de Santa Maria, de 1890, assegura Appel.
Ele voltaria a ocupar a pasta nos anos 1990, no governo de Antônio Britto, para criar a Lei de Incentivo à Cultura (LIC-RS). Hoje, aos 85 anos, Appel tem motivos de sobra para se orgulhar dos serviços prestados à cultura do RS. Não bastasse a atuação institucional, ainda está à frente da editora Movimento, que se destaca por trazer à tona a produção literária local desde 1967.