Na literatura brasileira, a chamada “geração mimeógrafo” surgiu no Rio de Janeiro, no início da década de 1970, com Ricardo de Carvalho Duarte, o Chacal, e Antônio Carlos Ferreira de Brito, o Cacaso, ao lado de Geraldo Carneiro, Ana Cristina César e Waly Salomão, entre outros. Eram jovens que, sem acesso às editoras, distribuíam de mão em mão textos impressos em mimeógrafo. Até que, em 1975, foi publicada a antologia 26 Poetas Hoje, da Editora Brasiliense, organizada pela madrinha do grupo, a ensaísta e crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda.
Pouca gente sabe que, antes da aparição da geração carioca, a poesia de mimeógrafo já luzia em Porto Alegre. Em junho de 1969, os poetas Marco Celso Huffell Viola e Nei Duclós e a contista Marisa Scopel lançaram Tombam os Primeiros Homens nos Trigais, livro impresso em um mimeógrafo a tinta Gestetner, com patrocínio do Centro Acadêmico Franklin Delano Roosevelt, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFRGS.
Nesse período, além de organizar saraus no meio acadêmico, Huffell e Duclós colavam poemas em postes pelas ruas da cidade. Em 1970, a dupla publicou Eu Digo, com Roque Callage, dessa vez utilizando mimeógrafo a álcool. Dois anos depois, saiu Caderno de Contos e Poesia, antologia impressa no mimeógrafo do diretório acadêmico da Engenharia da UFRGS, com autores ainda não consagrados na época, como Caio Fernando Abreu, Moacyr Scliar, Carlos Carvalho e Sergius Gonzaga, além do próprio Marco Celso.
Essas obras artesanais antecederam um punhado de livros coletivos custeados pelos próprios autores, como Teia e Teia II (Lume Editora) e Há Margem (Edições Cooperativas Garnizé). A maioria dos participantes eram escritores iniciantes, como Sérgio Capparelli, José Antônio Silva e Clóvis Malta, com ilustrações de Maria Lídia Magliani, Rosane Silva, Giba Rocha e Carlos Alf. Alguns desses autores gaúchos participaram da coletânea Vício da Palavra, publicada em São Paulo, junto a colegas mineiros, mato-grossenses e paulistas.
Talvez a publicação mais underground produzida na Capital tenha sido Pedra Mágica, revista lançada pela editora Lucidez Relativa em 1º de abril de 1976, com um show de Carlinhos Hartlieb e Bebeto Alves, no centro acadêmico da Faculdade de Arquitetura da UFRGS. Ela foi impressa em papel offset em um mimeógrafo que o ilustrador Eduardo Oliveira, organizador do projeto, tomou emprestado do escritório de arquitetura de um amigo. Consistia em folhas soltas dentro de um envelope, reunindo textos, fotografias e ilustrações de 56 participantes, entre eles, Caio Fernando Abreu, Juarez Fonseca, Eduardo San Martin, Nei Duclós, Delmar Marques, Juarez Porto, Emílio Chagas e Álvaro Luiz Teixeira.
Pedra Mágica foi montada de madrugada em uma mesa da sala do apartamento dos avós de Oliveira, na Praça Dom Feliciano, enquanto os donos da casa dormiam. O trabalho contou com a ajuda de Ricky Bols, Júlio “Flash” Viega e Luiz Eduardo Teixeira, o Peixe.
A linha editorial já havia sido definida anteriormente em outra mesa, a do bar Alaska, na Esquina Maldita, gueto boêmio da Avenida Osvaldo Aranha com a Rua Sarmento Leite. O garçom Isake Plents, aliás, aparece no expediente da revista, uma vez que assinou um “poema-processo” sobre a comissão de 10% a que tinha direito como atendente do boteco. Depois que se esgotaram os primeiros 800 exemplares, foi distribuída uma segunda tiragem com outros 700 em bares, restaurantes e centros acadêmicos.