Não se sabe com rigor quando o bar foi inaugurado, mas há relatos de que já existia no início do século passado. Para a família do músico Jorge Macedo, conhecido como Jorge Maestrinho, essa história começa no final da década de 1940, quando o tio-avô Mathias adquiriu o ponto na Avenida Oscar Pereira (na época, denominada Avenida Cascata), esquina com a Rua Intendente Alfredo Azevedo, no bairro Glória. Em seguida, Mathias pediu ajuda aos avós do artista, Custódio e Deolinda, para tocar o negócio.
— Meus avós estavam morando no Rio de Janeiro, onde nasceu minha mãe, por coincidência chamada Glória. Quando ela veio com eles para Porto Alegre, era uma pré-adolescente de 13 anos — conta Maestrinho. Pouco depois, Mathias faleceu, de modo que os avós e a mãe do sambista herdaram a propriedade.
Nas décadas seguintes, o Ponto Chic agregaria a fama de bar popular da periferia à de local de encontro de boêmios e artistas, incluindo alguns que viviam no centro do país, como Nelson Gonçalves. Glória, que havia se apresentado em programas infantis da Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, sentia-se segura no ambiente para dar canjas, cantarolando músicas que já faziam sucesso em terras cariocas, mas ainda não haviam chegado às rádios de Porto Alegre. Entre elas, canções de Lupicínio Rodrigues, frequentador contumaz da casa.
— O Lupi era cliente de caderno, literalmente. Tinha até conta no bar. Houve uma época em que vinha com o filho, o Lupinho, que ficava brincando com meu irmão — relata Maestrinho.
Carlos, o pai de Maestrinho, conheceu Glória no Ponto Chic. Era outro cliente assíduo do boteco. Custódio se prontificou a construir uma churrascaria anexa ao bar para que o genro tomasse conta, mas impôs uma condição: a nova casa teria que se chamar Vasco da Gama, time de futebol para o qual o português torcia com fervor. Proposta aceita, a churrascaria virou refúgio de Lupicínio, quando o compositor tinha rompantes de inspiração.
— Ele pegava o copo de cachaça com limão e ficava rabiscando em guardanapos, entre uma batucada e outra na caixa de fósforo, em uma mesa da Michadinha do Carlinhos, como chamava a churrascaria do pai — anota Maestrinho.
O Ponto Chic também inspirou artistas do bairro, como Mujica, que chegou a gravar um disco, no qual incluiu a canção que usava os constantes descarrilamentos do bonde da linha Glória como desculpa para justificar os atrasos no trabalho:
Patrão, patrão, a culpa não é minha/ O Bonde Glória sempre sai fora da linha/ A gente fica em má situação/ Chega tarde no trabalho por causa da condução.
Na madrugada de 14 de setembro de 1983, o Ponto Chic virou cenário do filme Verdes Anos, de Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil, lançado no ano seguinte nas telas dos cinemas. A cena filmada no bar contou com a presença dos atores Biratã Vieira, Isis Medeiros, Werner Schünemann e Marcos Breda. Foi quase uma homenagem de despedida. Em 1985, o bar fechou suas portas, encerrando um ciclo de quase quatro décadas de bons préstimos à cultura e à boemia da Capital.
Parte dessa rica história está contada no CD Periferia do Samba, que Maestrinho lançou em 2012. O show de lançamento, no bar Natalino, aliás, teve a participação da mãe do músico, que hoje mora com o filho no antigo endereço do Ponto Chic, no coração da Glória.