Ainda que, hoje em dia, seja difícil imaginar, trintões e quarentões que viveram a juventude na época hão de lembrar que, no início do século 21, a Rua João Alfredo era uma via, até certo ponto, sossegada, que delimitava as bordas da boemia do bairro Cidade Baixa, na Capital. Na João Alfredo, nos primeiros anos da década passada, havia apenas três bares — Oficina Etílica, Mercatto D’Arte e Ossip.
O cenário começou a mudar quando as casinhas antigas passaram a ser ocupadas por pubs como Nega Frida e Paraphernalia, que aderiram ao movimento de revalorização da música popular brasileira nas pistas de dança, protagonizado por DJs como Jovi Medeiros, Damon Meyer e Manoel Canepa, além de Fred Lima. Aliás, o fenômeno se repetia nos bares Mr. Dam, na José do Patrocínio, e Escambo, na Luiz Afonso, que também promoviam festas com MPB.
Até ali, o Pé Palito era um brique de “antiguidades modernistas”, como definia o proprietário Marcos Dorneles, falecido em 2018. Em 2004, o local se transformou em casa noturna, preservando, por algum tempo, as cadeirinhas penduradas no teto como decoração. Já na noite de abertura, o Pé Palito causou furor quando um dos presentes, Dayal Benítez (garçom do bar Ocidente na época), resolveu ficar nu na pista.
— Fazia isso com frequência nas festas. Era comum o pessoal perguntar quando me via chegando: “Que horas o Dayal vai tirar a roupa?” — conta ele, divertido.
Dayal justificava a ousadia com a vontade de afrontar o tabu da nudez, mas, naquela fria noite de inverno, o desacato não caiu bem.
— O que está pensando? Só quem pode ficar nu nesta casa sou eu! — recriminou o dono do Pé Palito, dando a festa por encerrada.
O incidente não impediu — muito antes pelo contrário — que, logo em seguida, o Pé Palito se tornasse a principal referência de casa noturna na João Alfredo. No auge do sucesso, recebeu visitantes famosos, como os atores Luana Piovani e Marcos Pasquim e os músicos Beto Lee (filho de Rita Lee), Tonho Crocco (da banda Ultramen) e Serginho Moah (da Papas da Língua). Alguns, como Marco Mattoli (do Clube do Balanço), deram até canja nas pickups e vinis.
Enquanto Dorneles aperfeiçoava a estrutura física em sucessivas reformas (chegou a agregar a casa vizinha ao espaço do bar), Nilo Pinheiro cuidava da área administrativa e Patrícia Duarte trabalhava na produção das festas. Mas a marca principal do Pé Palito era a trilha sonora do DJ Fred, elaborada com ritmos brasileiros, principalmente samba, samba-rock e MPB.
Com o esgotamento do revival de música brasileira e o advento da onda de sertanejo universitário, o Pé Palito perdeu espaço, fechando suas portas em 2011. Hoje, o endereço da João Alfredo, 577, está ocupado pelo Margot Bar & Club.
— Antes, a figura do DJ era vista quase como subproduto da festa. O Pé Palito ajudou a mostrar que o discotecário é um artista e que ele é importante para a cena cultural — afirma Fred Lima, atualmente radicado em São Paulo.