Nome inscrito na história do samba do sul do Brasil, a cantora e compositora Zilah Machado nasceu em 13 de abril de 1928, na Ilhota – um dos redutos da população negra da Capital no século passado, entre os bairros Cidade Baixa e Menino Deus –, tendo sido criada apenas pela mãe, Maria José, “lavadeira de praia”, como eram chamadas na época as mulheres que ganhavam a vida lavando roupas à beira do Guaíba.
Como Zilah sofria de bronquite, a mãe achava saudável levá-la de manhã cedo para respirar ar puro na praia junto à Usina do Gasômetro. Com os pés fincados na água, a garota passava o tempo observando peixes e brincando com pedrinhas que brilhavam no leito do Guaíba. Em casa, também vivia grudada na mãe. Certo dia, o choro da criança no colo de Maria José chamou a atenção de um vizinho.
— Pelo jeito, a menina vai ser cantora — previu ele.
— Deus me livre. Vai ser professora — retrucou a mãe de Zilah.
— Sinto muito, vai ser cantora, não tem dúvida. O choro é afinado — insistiu o rapaz, que, com um chapeuzinho na cabeça, circulava pela Ilhota a batucar uma caixa de fósforo.
Não é que ele tinha razão? No futuro, a garota viria a ser, inclusive, uma das intérpretes prediletas do vizinho metido a adivinho. O nome dele: Lupicínio Rodrigues. Foi quem, aliás, ensinou as primeiras marchinhas de Carnaval a Zilah para que ambos cantassem em churrascos e festas de aniversário da Ilhota. Ele apadrinhou a garota não apenas musicalmente. Ao ser convidado para ser padrinho de batismo dela, não titubeou:
— A gente aproveita e já abre uma cervejinha para comemorar.
Ainda criança, Zilah participou do coro orfeônico do Colégio Paula Soares, além de estudar com o maestro e compositor Roberto Eggers, autor de Farrapos, uma das primeiras óperas gaúchas, que classificou a voz da menina como “soprano ligeiro”. Mas a vocação mais forte era a música popular, como descobriu, já adulta, ao fazer um teste para substituir Elis Regina no programa de Maurício Sirotsky Sobrinho no auditório da Rádio Gaúcha, no 11º andar do edifício União, na Avenida Borges de Medeiros, no centro da Capital.
— Desse tamanhinho e com essa voz? Tem que voltar aqui — recomendou o apresentador, após ouvir a intérprete de baixa estatura cantar Olhos verdes, de Vicente Paiva.
Envergonhada, a moça disse que não poderia aceitar o convite, já que não tinha roupas bonitas para se apresentar. Saiu do estúdio com um cheque para que pudesse comprar vestidos e sapatos na loja Guaspari. Foi o começo da carreira que a consagrou no rádio e em bares como Adelaide’s, Chão de Estrelas e Clube dos Cozinheiros, este de propriedade do padrinho Lupicínio. Nos anos 1970, ao morar no Rio de Janeiro, fez backing vocal em discos de Cauby Peixoto, Emílio Santiago e Ivone Lara, além de se apresentar com as mulatas de Osvaldo Sargentelli no Hotel Nacional.
Zilah morreu em 2011, aos 82 anos, de câncer, dois anos após receber menção especial do Prêmio Açorianos de Música, da prefeitura de Porto Alegre, pelo conjunto da obra, que inclui quatro discos gravados e cerca de 200 canções compostas. Em 2017, foi também homenageada no projeto Ébano e Marfim In Concert, idealizado pela soprano e jazzista Marguerite Silva, com apresentações no Theatro São Pedro.