Por Sérgio Agra, colaborador do Almanaque Gaúcho
Não! Eu não sabia da existência de Diego Kovlakoff, personagem de um conto de Eduardo Galeano, em O Livro dos Abraços. Nem poderia, afinal, a obra é de 1989. Sequer suspeitava que, um dia, leria a obra de Galeano e de muitos outros escritores. Eu era apenas um guri de três anos, que, pelas mãos do meu pai, vislumbrou o mar pela primeira vez, em Capão da Canoa.
Mas, quem sabe, teria sido também minha a frase de encantamento que o pequeno Kovlakoff disse ao pai dele ante a imensidão oceânica: – Pai, me ajuda a olhar!
Capão, naqueles idos, era um bucólico balneário, rodeado de altas dunas e somente alcançado, por quem viesse de Porto Alegre, após passar por Gravataí e pela doce Santo Antônio da Patrulha, após cinco horas de viagem a bordo dos ônibus da empresa Santos Dumont. Capão da Canoa já mostrava os primeiros sinais de que, no devido tempo, ganharia a condição de cidade. Que dissessem os edifícios Aymoré e Xavantes, os primeiros prédios de apartamentos residenciais naquele início dos anos 1950.
O Hotel Rio-Grandense – onde nos hospedáramos – ficava à frente de uma arejada pracinha. Era uma imensa construção de madeira, formada pelos quartos – os banheiros não apenas eram apartados como coletivos – e o grande salão, nos quais eram servidos o café, o almoço e o jantar. O salão, nos finais de semana, transformava-se em pista de dança ou palco para algum show.
Meus pais – jovens ainda – curtiam, às tardes, uma segunda lua de mel. Esta, como tudo, tinha o seu preço: a contratação, durante duas horas inteiras, da carrocinha puxada por um cabrito, guiado pelo ‘Boininha’, um moleque esperto de 10 anos. Lampeiro, eu excursionava a bordo da pequena carroça pelas ruas de precário calçamento daquela estação de veraneio.
Os prazeres, que nem mesmo as águas geladas daquele mar...rom, ou a eventual ‘beliscada’ de um siri espantavam, eu encontrava nas brincadeiras com meu pai, com a imensa bola forrada por um espesso e áspero tecido, com quadrados multicolores, e no picolé – o prêmio pela exaltação aos exercícios físicos – sob os estranhos para-sóis basculantes de madeira que não mais existem. O sono, recheado de sonhos promissores para outro dia de aventuras, não se deixava perturbar pelos mosquitos – verdadeiros camicases – que a fumaça dos espirais de ‘Boa-Noite’ tentavam inutilmente espantar.
Hoje – curiosamente –, moro em Capão da Canoa; não mais no bucólico e seguro balneário, rodeado de imensas dunas que transfiguravam os passeios, aos finais de tarde, no carrocim do ‘Boininha’, em empolgantes aventuras.
Em que escaninhos da memória se encontram as dunas imensas de minha infância, os jogos, as brincadeiras e os bailes do Hotel Rio-Grandense, onde meus pais, esquecidos de tudo, planavam ao som de um doce bolero?
O lugar onde moro foi sepultado pela insânia dos espigões, dos ambulantes, pela irresponsabilidade e desvario dos motoristas(?) e motoqueiros cruzando em alta velocidade a praia lotada. Capão da Canoa está se cercando e se gradeando ante a presença da mão armada da criminalidade. E meu pai não mais está aqui pra me ajudar a olhar...