No dia 31 de agosto de 1806, nasceu, em Porto Alegre, o nosso primeiro cronista e gramático. Filho do português Pedro José Álvares de Souza Guimarães e da gaúcha Felícia Maria da Silva, Antônio Álvares Pereira Coruja (1806-1889) era de origem humilde. Para ajudar a família, ele trabalhou como sacristão na antiga Igreja Matriz Nossa Senhora Mãe de Deus.
Entre os seus professores, estavam figuras ilustres como Maria Josefa Pereira Pinto (primeira mulher jornalista no Brasil), Antônio D’Ávila (o “amansa burros”) e Tomé Luís de Sousa (sacerdote e político). Segundo Barbosa Lessa (1929-2002), nas aulas de Tomé Luis, aos nove anos, ele ganhou a alcunha de Coruja por vestir um casaco marrom muito feio. Na fase adulta, acrescentou-o ao sobrenome e criou a gravura de uma coruja, assinatura presente em suas obras. Nomeado professor, em 1827 ele abriu uma escola pública na Rua da Graça (atual Andradas), baseada no método lancasteriano, visando a alfabetização em grupo.
Em junho 1836, durante a Revolução Farroupilha (1835-1845), Manoel Marques de Souza (1804-1875) – futuro conde de Porto Alegre – retomou a Capital das mãos farroupilhas. Após serem presos, Coruja e outros liberais farroupilhas foram enviados ao Rio de Janeiro. Em outubro daquele ano, puderam retornar à Capital. Ao desembarcar, acabaram presos, sendo enviados ao Presiganga, famoso navio-prisão ancorado no Guaíba.
Em 1837, com a chegada do presidente da província, Araújo Ribeiro, Coruja foi solto e optou por morar no Rio de Janeiro, onde permaneceu até morrer. Desencantado com a política, dedicou-se à educação e fundou, em 1841, o Liceu Minerva. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil e do Supremo Conselho do Grande Oriente, ele recebeu as condecorações de Cavaleiro da Ordem da Rosa (1866) e Cavaleiro da Ordem de Cristo (1868).
A partir de 1880, escreveu As Antigualhas, Reminiscências de Porto Alegre, série de crônicas sobre a nossa cidade. Inicialmente publicadas como folheto pela Tipografia do Jornal do Comércio, as crônicas também podiam ser lidas na Gazeta de Porto Alegre (1879-1885). O Anuário da Província do Rio Grande do Sul (1885-1914), que também faz parte do acervo do Museu da Comunicação, publicou-as entre 1887 a 1890.
No século 20, as crônicas foram reproduzidas no Boletim Municipal de Porto Alegre, número 10, e na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, números 105 a 108. Graças ao historiador Sérgio da Costa Franco, em 1983, a Companhia de Seguros Gerais publicou as crônicas. Outra série foi organizada pela Secretaria Municipal de Cultura, coordenada por Luís Augusto Fischer.
A produção intelectual e de caráter didático do mestre Coruja foi intensa, com obras como Compêndio da Gramática Nacional; Manual dos Estudos de Latim; Aritmética para Meninos; Manual de Ortografia da Língua Nacional, Lições de História do Brasil e Vocabulário Sul-Rio-Grandense, entre outros.
Em 1879, a empresa Caixa Depositária Sociedade Glória do Lavradio, fundada por Coruja, faliu e quebrou. Com a morte da esposa, em 1881, e do filho adotivo, em 1888, Coruja passou a viver de favores. Foi abrigado em uma república de estudantes, morou em cortiço e, assim, viveu os seus últimos dias, morrendo em 4 de agosto de 1889, no Rio de Janeiro. O atestado de óbito registra como causa mortis “miséria orgânica”. Graças à contribuição cultural, ele mereceu um extenso necrológio no Anuário da Província do Rio Grande do Sul.
Como homenagem, em 1907 a Câmara Municipal de Porto Alegre deu o nome de Comendador Coruja a uma rua no bairro Floresta. O escritor Eloy Terra considera a intenção um equívoco, pois comendador foi o filho adotivo de Coruja. Há, também, no Jardim-Sabará, uma rua que se chama Antônio Álvares Pereira Coruja.
A Caixa Econômica Federal foi mais uma instituição a homenagear Coruja que, segundo o pesquisador Lotário Neuberger, foi o primeiro depositante. A Caixa, em seu conjunto cultural da Capital, possui um quadro com a imagem do nosso primeiro cronista, evidenciando a importância deste gaúcho.
Colaboração de Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, pesquisador e coordenador de imprensa do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa