"No céu, não há mais sofrimento, nenhuma morte ou perecimento; lá, Deus seca nossas lágrimas num reencontro eterno." Relatos de enfermidades, dor e agonia eternizados em necrológios e lápides.
Nas colônias alemãs do Rio Grande do Sul, epitáfios em antigas lápides, bem como necrológios publicados nos periódicos da época, mostravam com nitidez um cotidiano em que a dor física e o sofrimento eram presenças constantes nos momentos finais da vida. Os limitados recursos disponíveis para amenizar a dor física, tais como analgésicos e anestésicos, faziam com que os últimos dias, semanas ou meses de vida fossem de grande sofrimento para o moribundo. Os relatos demonstram também a impotência dos familiares, que pouco podiam fazer pelo doente nos momentos derradeiros. Padres e pastores limitavam-se a levar algum conforto espiritual.
Nesse sentido, percebe-se que o estado de penoso padecer e os incômodos cotidianos não são vivenciados somente por quem adoece. Eles se estendem de forma conjunta a todas as pessoas da casa e a todos que estão ligados por algum tipo de laço àquela família. E, na última cena, sem constrangimento, familiares tornavam públicos a agonia e os momentos derradeiros do moribundo, por meio de narrativas constantes nos necrológios e em epitáfios expressos nas sepulturas. Isso permitia que pessoas estranhas tivessem acesso à intimidade do ambiente familiar.
Ao fornecerem aos leitores uma biografia e um enaltecimento das qualidades pessoais do falecido, os necrológios publicados nos jornais do século 19 deixavam transparecer as representações existentes em torno da morte, contemplando não somente personalidades ilustres, mas também pessoas comuns das diversas picadas. Apesar do formato sucinto de alguns necrológios, outros proporcionavam considerável riqueza de detalhes sobre a trajetória do falecido.
Os necrológios, através dos discursos contidos nas entrelinhas e das avaliações morais elogiando e consagrando o falecido, explicitavam e disseminavam valores cristãos, bem como critérios de excelência moral, social e profissional dos imigrantes alemães e seus descendentes. Nesse sentido, o necrológio combina resumo biográfico e homenagem póstuma ao indivíduo.
Mesmo que a publicação dos necrológios fosse uma iniciativa da família do falecido, ou de amigos íntimos dos enlutados, percebe-se que padres, pastores e professores ajudaram na redação dos mesmos e em algumas situações podem ter sido os verdadeiros autores.
Em alguns textos, fica nítida essa participação na redação, muito em função da linguagem empregada, contendo embutidos discursos moralizantes. Nesses, fica nítida a divulgação de ideias, comportamentos e papéis sociais considerados adequados, refletindo com maior ou menor intensidade os reais sentimentos dos familiares enlutados.
Colaboração de Sandro Blume, mestre em História pela Unisinos, autor do livro Morte e Morrer nas Colônias Alemãs do Rio Grande do Sul.